Economia Brasileira no Governo Dutra

Posse de Dutra como presidente do Brasil, em 1946. Imagem de domínio público, por autor desconhecido, pertencente à coleção do Arquivo Nacional.

O governo de Eurico Gaspar Dutra transcorreu de 1946 até 1951, na sequência de quinze anos durante os quais Getúlio Vargas esteve à frente da nação. Dutra assumiu o poder de um país que se industrializava e que reduzia a sua dependência da exportação de café. Em termos de política econômica, ele precisava lidar com o desequilíbrio fiscal e a inflação, e acreditava que o capital estrangeiro — especialmente o estadunidense — ajudaria nessa tarefa. Contudo, essa percepção acabou sendo apenas uma ilusão, porque os Estados Unidos não se dispunham a financiar o desenvolvimento do Brasil. Com isso, o governo Dutra teve de mudar a sua política econômica: do liberalismo comercial com ortodoxia para o protecionismo comercial com heterodoxia.


O governo Dutra iniciou-se em contexto favorável, porque as medidas da Era Vargas acarretaram uma forte industrialização do Brasil. Isso teve reflexos no PIB do país, que crescia consideravelmente, e na balança comercial, que era bastante favorável — desta vez, não apenas devido à exportação de café. Além disso, a dívida externa brasileira estava devidamente renegociada com os credores, graças ao Acordo Definitivo que havia sido firmado em 1943. Todavia, restavam dois problemas a serem resolvidos: o desequilíbrio fiscal e a inflação. O primeiro era oriundo do fato de que Getúlio Vargas considerava essencial a atuação do Estado como impulsionador da economia, especialmente por meio das estatais. As pressões inflacionárias, por sua vez, tinham múltiplas causas:

  • Por causa da destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, houve uma redução na disponibilidade de produtos estrangeiros no Brasil.
  • Os produtos estrangeiros que conseguiam chegar ao Brasil eram prejudicados pelo fato de a economia brasileira ser fechada ao exterior — isto é, os poucos produtos importados que chegavam ao Brasil não conseguiam ser mais baratos que os produtos nacionais.
  • O governo costumava emitir papel moeda excessivamente — primeiro para sustentar altos preços do café, depois para financiar os déficits fiscais.
  • A criação e o aumento dos impostos trabalhistas acarretaram o aumento dos custos de produção, os quais eram repassados para os consumidores.

Quando o governo Dutra iniciou, seus formuladores de políticas econômicas pautavam-se nas ideias defendidas na Conferência de Bretton Woods (1944). Nela, foram difundidos princípios liberais e ortodoxos, os quais deveriam nortear a gestão da economia mundial. Com base nesses princípios, a gestão do Ministro da Fazenda Pedro Luís Correa e Castro adotou as seguintes medidas:

  • Política fiscal contracionista: Ela foi bastante eficaz em transformar sucessivos déficits do Brasil em superávits.
  • Política monetária contracionista: Ela foi menos eficaz, porque, enquanto o Ministério da Fazenda trabalhava para reduzir a base monetária, o Banco do Brasil, presidido por Guilherme da Silveira, expandia a concessão de crédito.
  • Flexibilização do controle cambial: As pessoas poderiam comprar e vender moedas estrangeiras livremente, e o câmbio seria fixo e sobrevalorizado — em linha com aquilo que havia sido definido em Bretton Woods.

A guinada na política cambial promovida pelo governo Dutra visava a atrair investimentos estrangeiros diretos e facilitar as importações. O capital externo era considerado fundamental para reequipar a indústria nacional, mas, na época, os investidores preferiam ir para a Europa e para a Ásia. Uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada poderia atrair aqueles que, a princípio, não tinham interesse em investir no Brasil. Além disso, ao facilitar a vinda de produtos estrangeiros, o governo atendia aos anseios da classe média ao mesmo tempo em que ampliava a concorrência no mercado nacional — dessa forma, reduzindo a inflação.

Na avaliação dos tomadores de decisões econômicas, a saída de moeda estrangeira por causa das importações seria compensada pela entrada de moeda estrangeira com os investimentos estrangeiros diretos. Em especial, eles achavam que o Brasil merecia receber maciços investimentos estadunidenses, em gratidão pela participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, junto dos Aliados. No entanto, essas premissas não se concretizaram:

  • Os Estados Unidos, o Japão e os países europeus abandonaram, pouco a pouco, os princípios de Bretton Woods — em outras palavras, o Brasil era o único que mantinha taxas de câmbio fixas e sobrevalorizadas, portanto não atraía tantos investimentos quanto os demais países.
  • Os países afetados pela guerra demoraram a recuperar seus níveis de investimento, porque estavam completamente destruídos.
  • Como não havia mais o risco de simpatias ao nazismo e ao fascismo na América Latina, os Estados Unidos não se interessavam em financiar generosamente os países na sua vizinhança. Um claro exemplo disso foi o relatório da Comissão Técnica Mista Brasil-Estados Unidos (Missão Abbink), de 1949, que dizia que o Brasil deveria atrair capitais privados internacionais — em vez de contar com dinheiro do governo estadunidense.

Assim, o Brasil viu-se diante de um cenário em que havia mais moedas estrangeiras saindo do país do que entrando nele. Com o tempo, a condição da economia brasileira piorou, devido a déficits na balança comercial. Por um lado, houve uma explosão de importações, que haviam sido restringidas por anos. Por outro lado, as exportações brasileiras pouco cresceram, pois o resto do mundo recuperava seus níveis de produção no pós-guerra. Esse processo era agravado pelo fato de que as reservas internacionais brasileiras, em geral, não podiam ser usadas. A maioria delas estava cotada em ouro, uma reserva de emergência, e em libras, as quais somente poderiam ser utilizadas para pagamentos à Inglaterra (nos termos do Acordo de Pagamentos Anglo-Brasileiro de 1940). Entretanto, a maioria das dívidas brasileiras em moeda estrangeira era em dólares dos EUA.

Mesmo diante de uma crise cambial, o governo não queria desvalorizar a taxa de câmbio. O câmbio sobrevalorizado ajudava a manter elevados os preços do café e a combater a inflação. Além disso, caso a moeda brasileira perdesse valor, as exportações mais favorecidas seriam aquelas de produtos com maior elasticidade-preço da demanda — isto é, aquelas que aumentam bastante quando há uma redução nos preços. Esses produtos, em geral, destinavam-se a regiões de moedas não conversíveis, o que não sanaria os problemas na parte de moedas estrangeiras conversíveis do balanço de pagamentos do Brasil.

Desse modo, em 1947 e 1948, o governo implementou duas medidas para enfrentar a crise cambial sem recorrer a uma desvalorização:

  • Reestabelecimento do controle cambial: 30% das divisas estrangeiras compradas pelos bancos teriam de ser vendidas ao Banco do Brasil, à taxa oficial de compra. Essas divisas atenderiam primeiro as necessidades do governo e, depois, as importações privadas (conforme sua essencialidade).
  • Reestabelecimento do controle de importações: Para importar produtos, seria necessária uma licença prévia do governo, a “Guia de Importação”.

De acordo com o economista brasileiro Sérgio Viana, a combinação de uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada com o controle cambial e o controle de importações tinha efeitos opostos:

  • Por um lado, o câmbio valorizado e o controle de importações favoreciam indiretamente a indústria brasileira, sobretudo no setor privado. Isso ocorria pois era mais barato importar insumos industriais, e porque existiam restrições à importação de bens competitivos que tivessem similar nacional.
  • Por outro lado, o câmbio valorizado era claro empecilho às exportações, porque fazia com que as empresas brasileiras perdessem competitividade internacional à medida que as economias europeias se reorganizavam no pós-guerra. Para mitigar esse problema, o governo inaugurou as chamadas “operações vinculadas” em 1948: um mecanismo pelo qual os exportadores pouco competitivos poderiam vender moeda estrangeira, a uma taxa mais favorável a eles, para os importadores. Isso favorecia a colocação de produtos inviáveis à taxa oficial de câmbio (“produtos gravosos”) no mercado externo, ao passo que favorecia importações de bens de consumo duráveis (cuja demanda era tão grande que ocorreria de qualquer modo).

A partir de julho de 1949, porém, sucedeu-se uma inflexão na política econômica interna, com a nomeação de Guilherme da Silveira para chefiar o Ministério da Fazenda. Essa mudança explicava-se pela proximidade da eleição presidencial, que motivava o desejo de aquecer a economia para agradar o eleitorado. Nesse sentido, o governo passou a realizar forte expansão do gasto público, da emissão de moeda, e da concessão de crédito pelo Banco do Brasil. Simultaneamente, o Brasil beneficiava-se de um aumento no preço do café, com a retomada da compra de estoques por importadores estadunidenses, os quais esperavam uma desvalorização da moeda brasileira — que não aconteceu.

Um exemplo do novo rumo do governo foi o Plano Salte: uma tentativa de ampliar e coordenar investimentos públicos em saúde, alimentação, transporte e energia. O objetivo era que a intervenção estatal facilitasse o desenvolvimento econômico do país, nos mesmos moldes que já haviam sido adotados durante a Era Vargas. Contudo, essa iniciativa foi um fracasso retumbante, porque não previa as fontes que financiariam todos os investimentos planejados. O Plano Salte seria mantido no segundo governo Vargas (1951-1954), sem resultados concretos, e acabaria sendo extinto no governo Café Filho (1954-1955).

Devido à adoção de políticas fiscal, monetária e creditícia expansionistas, sucedeu-se uma escalada inflacionária. Esse quadro era agravado pela rápida urbanização do país, que pressionava a oferta limitada de produtos agrícolas (gerando aumentos de preços), e pela inexistência de capacidade ociosa na economia brasileira. A inflação foi o grande problema trazido pela reviravolta na condução da economia brasileira por Dutra, e ela ficaria cada vez pior ao longo dos governos subsequentes — sendo resolvida somente após 1964.


O governo Dutra iniciou-se com base em uma “ilusão de divisas”, porque achava, erroneamente, que o Brasil receberia capital estrangeiro em abundância, e que tinha reservas internacionais capazes de sustentar altos níveis de importações. Essa ilusão foi rapidamente desmontada, tendo em vista que os demais países não adotaram os princípios de Bretton Woods, e os Estados Unidos interromperam quaisquer pretensões de financiar o desenvolvimento do Brasil. Em verdade, o apoio financeiro estadunidense apenas viria após a eclosão da Guerra da Coreia, como forma de persuadir os brasileiros a participarem do conflito. No plano interno, por sua vez, o governo Dutra foi marcado por uma oscilação na política econômica: primeiro, o liberalismo comercial com a ortodoxia fiscal e monetária; depois, o protecionismo comercial com a heterodoxia fiscal e monetária. Essa guinada teria consequências duradouras.


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