Em 1994, Henry Kissinger publicou o livro Diplomacia. Ele foi um acadêmico e diplomata renomado, tendo servido como Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos Estados Unidos. Seu livro oferece um extenso panorama da história das questões internacionais e da arte da diplomacia, com foco particular no século XX e no mundo ocidental. Kissinger, conhecido por seu alinhamento com a escola realista das Relações Internacionais, trata dos conceitos de equilíbrio de poder, razão de Estado e Realpolitik em diferentes épocas.
Sua obra foi amplamente elogiada pelo seu alcance e pelo seu detalhismo. Todavia, ela também enfrentou críticas por seu foco em indivíduos em detrimento de forças estruturais, e por apresentar uma visão reducionista da história. Além disso, alguns críticos também alegaram que o livro se concentra excessivamente no papel individual de Kissinger nos eventos, potencialmente superestimando sua influência sobre eles. De qualquer forma, as ideias do livro merecem ser consideradas.
Este artigo apresenta um resumo das ideias de Kissinger no vigésimo quinto capítulo de seu livro, cujo título é “Vietnã: entrando no atoleiro: Truman e Eisenhower”.
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Os Estados Unidos embarcaram em uma missão para reformular o mundo após a Segunda Guerra Mundial, buscando criar uma nova ordem internacional. Desempenharam um papel crucial na reabilitação da Europa e do Japão, resistindo à expansão comunista em várias regiões e iniciando programas de assistência técnica para países em desenvolvimento. Sob a influência americana, as nações envolvidas experimentaram paz, prosperidade e estabilidade.
Entretanto, o envolvimento dos Estados Unidos na Indochina, particularmente no Vietnã, rompeu com os padrões estabelecidos de suas relações internacionais. Pela primeira vez, a relação direta entre os valores e as conquistas americanas começou a se desintegrar. Essa aplicação universal dos valores americanos levou a um questionamento desses próprios valores e das razões para levá-los ao Vietnã. Surgiu um abismo entre a crença dos Estados Unidos em sua experiência nacional excepcional e as realidades geopolíticas de conter o comunismo. Esse conflito interno sobre o excepcionalismo americano e o consequente questionamento de seu papel internacional causaram profundas feridas na sociedade americana.
As consequências das ações dos Estados Unidos no Vietnã se desviaram significativamente de suas intenções originais. A nação perdeu de vista um princípio fundamental da política externa, articulado por Richelieu: o apoio a um objetivo deve ser proporcional à força aplicada. Uma abordagem geopolítica estratégica teria diferenciado entre questões significativas e periféricas, questionando por que os Estados Unidos consideraram seguro permanecer inertes durante a tomada comunista da China em 1948, mas identificaram sua segurança nacional com um país menor e historicamente não independente, como o Vietnã.
No século XIX, Bismarck, um mestre do Realpolitik, recusou envolver a Alemanha em conflitos nos Bálcãs, considerando-os indignos de sacrifício. Da mesma forma, John Quincy Adams alertou contra a busca de conflitos distantes. Todavia, a abordagem wilsoniana da política externa desconsiderou tais distinções, obrigando os Estados Unidos a lutar pelo que era certo, independentemente das circunstâncias locais e das considerações geopolíticas.
Ao longo do século XX, os presidentes americanos declararam que a nação não tinha interesses egoístas, almejando apenas a paz e o progresso universais. O discurso inaugural de Truman em 1949 comprometeu o país com a liberdade global, oferecendo apoio militar a nações dispostas a cooperar pela paz e segurança. Essa política externa altruísta, estendida por Eisenhower e Kennedy, enfatizou as responsabilidades morais dos Estados Unidos em detrimento de cálculos geopolíticos práticos.
Os discursos de Eisenhower destacaram o papel único dos Estados Unidos em defender a liberdade sem restrições geográficas ou de interesses nacionais, tratando todas as nações e povos de forma igual. Kennedy ampliou ainda mais esse tema, comprometendo-se a se opor a qualquer ameaça à liberdade, independentemente de interesses específicos de segurança nacional. Na presidência de Johnson, os compromissos externos dos Estados Unidos eram vistos como parte integrante de seus valores democráticos, apagando a distinção entre responsabilidades internas e internacionais.
Críticos posteriormente viam essas declarações como exemplos de arrogância americana ou pretextos para dominação. No entanto, essa perspectiva não compreendia a fé política dos Estados Unidos, impulsionada por um compromisso ingênuo, porém poderoso, de resistir à agressão e à injustiça. Ao contrário de outras nações que lutavam por ameaças concretas à segurança, os Estados Unidos se envolviam em guerras por obrigações morais, desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra do Golfo Pérsico em 1991.
Esse compromisso era particularmente forte entre líderes americanos que haviam testemunhado o fracasso do Acordo de Munique. Eles acreditavam que não resistir à agressão desde o início levaria a conflitos maiores posteriormente. Essa crença unia formuladores de políticas americanas, que viam a resistência ao comunismo como essencial para a segurança global. Documentos de políticas e declarações oficiais da época refletem essa convicção, com a Teoria do Dominó prevendo que a queda da Indochina colocaria em risco todo o Sudeste Asiático.
Em 1950, o Conselho de Segurança Nacional identificou a Indochina como crucial para a estabilidade do Sudeste Asiático, introduzindo a Teoria do Dominó. Dean Rusk e outros oficiais ecoaram esse sentimento, acreditando que negligenciar a Indochina colocaria em risco os interesses americanos na região. Essa visão foi reforçada pela luta geopolítica mais ampla contra a União Soviética.
Contudo, a percepção americana da ameaça global era excessivamente simplista. As realidades geopolíticas eram significativamente diferentes entre a Europa e a Ásia. Na Europa, a principal ameaça vinha da superpotência soviética, enquanto na Ásia, potências secundárias com questionável controle soviético representavam as principais ameaças. A Guerra do Vietnã viu os Estados Unidos lutando contra um proxy de um proxy, complicando seus cálculos estratégicos.
As diferenças entre as geopolíticas europeia e asiática, juntamente com os interesses dos Estados Unidos em cada uma, foram ignoradas na abordagem universalista da política externa americana. Eventos como o golpe checo, o bloqueio de Berlim e as vitórias comunistas na China e na Coreia eram vistos como parte de uma única conspiração global. Essa visão maniqueísta levou os Estados Unidos a expandir seus compromissos militares, apoiando a França na Indochina e protegendo Taiwan.
Formuladores de políticas americanos analogaram a situação global à Segunda Guerra Mundial, vendo as ações soviéticas e chinesas como paralelas às agressões alemã e japonesa. Em 1952, os Estados Unidos estavam subsidiando pesadamente os esforços franceses na Indochina, destacando seu profundo compromisso em conter o comunismo globalmente.
O envolvimento dos Estados Unidos na Indochina introduziu um novo dilema moral. A OTAN defendia democracias, a ocupação americana do Japão trouxe instituições democráticas, e a Guerra da Coreia visava proteger a independência de pequenas nações. Entretanto, a defesa da Indochina foi enquadrada em termos geopolíticos, colidindo com a tradição anticolonial dos Estados Unidos. Indochina, ainda colônias francesas, não eram nem democracias nem independentes. Em 1950, a França rebatizou suas colônias como os “Estados Associados da União Francesa”, sem conceder independência total, temendo estabelecer um precedente para suas colônias no Norte da África.
Durante a Segunda Guerra Mundial, o sentimento anticolonial americano era particularmente forte em relação à Indochina. Roosevelt, que não gostava de de Gaulle e não nutria simpatia pela França após seu colapso em 1940, considerou fazer da Indochina um mandato das Nações Unidas, mas abandonou essa ideia em Yalta. A administração Truman abandonou essa ideia completamente, buscando apoio francês para a Aliança Atlântica. Em 1950, o governo de Truman decidiu que manter a Indochina fora das mãos comunistas era essencial para a segurança do mundo livre, mesmo que isso significasse apoiar o esforço colonial francês, em contradição com os princípios anticoloniais americanos. O Estado-Maior Conjunto concluiu que as forças americanas, sobrecarregadas pelos compromissos com a OTAN e a Coreia, não poderiam defender a Indochina sozinhas, contando com a resistência francesa apoiada pela ajuda americana.
O compromisso inicial dos Estados Unidos com a Indochina em 1950 estabeleceu um padrão: um envolvimento significativo o suficiente para enredar os EUA, mas insuficiente para ser decisivo. Isso se deveu em parte ao desconhecimento das condições locais e às dificuldades de operar por meio das autoridades coloniais francesas e locais. Para evitar ser visto como colonialista, o Estado-Maior Conjunto e o Departamento de Estado pressionaram a França a prometer a independência, equilibrando considerações estratégicas e morais. Esse ato de equilíbrio, denominado “Operação Eggshell”, visava instar a França a conceder independência enquanto continuava a guerra anticomunista, embora ninguém explicasse por que a França deveria travar uma guerra que terminaria com sua presença regional.
Dean Acheson encapsulou o dilema: os EUA poderiam perder se apoiassem as atitudes coloniais da França, mas arriscavam que a França abandonasse o esforço se pressionassem demais. Sua solução foi aumentar a ajuda americana enquanto instigava a França e seu governante local, Bao Dai, a obter apoio nacionalista, sem resolver a contradição fundamental. Ao final do governo Truman, a evasão havia se tornado a política oficial. Um documento do Conselho de Segurança Nacional (NSC) de 1952 formalizou a Teoria do Dominó, sugerindo que perder a Indochina desencadearia uma reação em cadeia, levando o Sudeste Asiático a se submeter ao comunismo e potencialmente desestabilizando a Europa e o Japão.
O documento do NSC não analisou por que essa queda tinha de ser automática nem explorou alternativas, como o estabelecimento de linhas defensivas mais fortes em torno de países mais estáveis, como a Malásia e a Tailândia, conforme favorecido pelos líderes britânicos. Os aliados europeus recusaram consistentemente defender a Indochina, e a ideia de outra guerra terrestre na Ásia era intolerável para os Estados Unidos após a Coreia. Acheson argumentou contra a defesa terrestre da Indochina, implicando que atacar a própria China poderia ser necessário—uma posição que ele resistira em relação à Coreia.
A análise americana não levou em conta as rivalidades internas no bloco comunista. Após vencer sua guerra civil, a China comunista via a União Soviética como sua principal ameaça, e o Vietnã historicamente temia a China. Uma vitória comunista na Indochina poderia ter acelerado essas rivalidades, representando um desafio diferente do que uma conspiração centralmente gerenciada. Todavia, a Teoria do Dominó parecia válida na época. O comunismo parecia ideologicamente dinâmico, com muitos países recém-independentes vendo o mundo comunista como prestes a superar o capitalismo. Formuladores de políticas em Washington, presenciando uma guerra de guerrilha comunista na Malásia, tinham motivos para temer a conquista da Indochina.
A questão não era se alguns dos dominós do Sudeste Asiático poderiam cair, mas se havia melhores locais para traçar linhas de defesa. Países como a Malásia e a Tailândia, com ambientes políticos e de segurança mais estáveis, poderiam ser mais defensáveis. A conclusão do NSC—de que perder a Indochina poderia levar a Europa e o Japão a se acomodarem ao comunismo—era uma suposição exagerada.
O legado de Truman para Eisenhower incluía um programa significativo de assistência militar para a Indochina e uma teoria estratégica sem uma política clara. Eisenhower herdou o compromisso sem enfrentar a lacuna entre a doutrina estratégica e as convicções morais, deixando para Kennedy, Johnson e Nixon lidar com esses desafios.
O governo Eisenhower aceitou o compromisso dos Estados Unidos com a segurança da Indochina, pressionando por reformas enquanto aumentava o apoio. Em maio de 1953, o presidente estadunidense instou os franceses a nomearem novos líderes com autoridade para vencer a guerra e a assumirem compromissos claros de conceder independência após a vitória. A França, no entanto, estava envolvida em uma guerra de guerrilha frustrante. Ao contrário das guerras convencionais, onde o poder de fogo superior geralmente prevalece, a guerra de guerrilha envolve lutar entre a população, com os guerrilheiros escolhendo o campo de batalha e controlando as baixas.
A falta de experiência da França em guerra de guerrilha e seus interesses coloniais enraizados tornaram a situação na Indochina complexa. A abordagem dos Estados Unidos, influenciada pelo sentimento anticolonial e por preocupações estratégicas, lutava para conciliar o apoio ao esforço de guerra francês com a defesa da eventual independência. Essa postura contraditória destacou os desafios mais amplos da política externa americana durante a Guerra Fria, equilibrando compromissos ideológicos com realidades geopolíticas.
Na guerra convencional, uma taxa de sucesso de 75% geralmente garante a vitória. Contudo, na guerra de guerrilha, garantir 75% de segurança para a população resulta em derrota. Garantir segurança completa em uma área menor é mais eficaz do que segurança parcial em uma área maior. O princípio básico da guerra de guerrilha é direto, mas desafiador de implementar: o exército guerrilheiro vence simplesmente evitando a derrota, enquanto o exército convencional deve vencer decisivamente para não perder. Guerras de guerrilha raramente resultam em impasse e exigem um compromisso de longo prazo das forças de defesa. O exército guerrilheiro pode persistir com táticas de ataque e fuga, apesar da redução em seus números, e vitórias definitivas são raras. Casos bem-sucedidos, como na Malásia e na Grécia, envolveram o corte das fontes de abastecimento externas dos guerrilheiros.
Os exércitos francês e, mais tarde, americano, lutando no Vietnã, enfrentaram dificuldades com a guerra de guerrilha. Ambos foram treinados e equipados para guerras convencionais, confiando em poder de fogo superior e em uma guerra de atrito. Essa abordagem falhou contra um inimigo que, familiarizado com seu próprio terreno, poderia superá-los e criar pressão interna para encerrar o conflito. As baixas aumentaram e definir o progresso era algo evasivo. A França, espalhada pelo Vietnã com menos forças do que os Estados Unidos comprometeriam mais tarde para defender metade do país, cedeu mais rapidamente. Concentrar forças em cidades deixava o campo vulnerável ao controle comunista, e espalhar-se para proteger as áreas rurais expunha os centros urbanos a ataques.
O Vietnã consistentemente confundiu o raciocínio das potências estrangeiras. O conflito francês culminou em Dien Bien Phu, uma área remota perto da fronteira com o Laos. A França posicionou forças de elite lá, esperando por uma batalha decisiva, mas acabou em uma situação sem vitória. Se os comunistas ignorassem a implantação, a posição francesa era estrategicamente irrelevante. Se os comunistas atacassem, isso indicava sua crença em uma vitória iminente. Os franceses subestimaram a resiliência e engenhosidade de seus oponentes, assim como os americanos mais tarde fariam. Em março de 1954, forças norte-vietnamitas lançaram um ataque bem-sucedido a Dien Bien Phu usando artilharia fornecida pela China, dominando os postos avançados franceses. Exaustos e pressionados pela iminente conferência de Genebra, a França buscou uma solução política.
A abordagem da conferência de Genebra pressionou o governo Eisenhower a alinhar seus compromissos teóricos com possibilidades práticas. A queda de Dien Bien Phu levaria a um controle comunista significativo sobre o Vietnã, exigindo uma escalada militar dos Estados Unidos, o que a França não tinha recursos ou disposição para realizar. Em março de 1954, oficiais dos EUA, incluindo o almirante Radford, sugeriram um ataque aéreo massivo para apoiar as posições francesas. Entretanto, Dulles, comprometido com a segurança coletiva, buscou apoio diplomático para tais ações. Em um discurso importante, ele convocou uma ação unida contra a expansão comunista no Sudeste Asiático, destacando os riscos da inação.
Sob a bandeira da “Ação Unida”, Dulles propôs uma coalizão incluindo os EUA, Reino Unido, França, Nova Zelândia, Austrália e os Estados Associados da Indochina. Eisenhower juntou-se a ele na defesa da ação coletiva, provavelmente mais para evitar uma intervenção do que para promovê-la. Experiente em assuntos militares e cauteloso com conflitos prolongados, Eisenhower duvidava da eficácia de um único ataque aéreo e era relutante em se envolver em outra guerra terrestre na Ásia. Ele também entendia as complexidades da diplomacia de coalizão, reconhecendo que uma ação unida oportuna era improvável. Eisenhower preferia perder a Indochina a comprometer a imagem anticolonial dos Estados Unidos, valorizando a postura moral do país em detrimento de preocupações territoriais.
Apesar das reservas, Dulles e Eisenhower buscaram ativamente uma ação unida. Em abril de 1954, Eisenhower fez um apelo a Churchill, enfatizando a importância estratégica da Indochina. Ele advertiu que o controle comunista teria implicações globais desastrosas, ameaçando os países vizinhos e perturbando o equilíbrio na Ásia e no Pacífico. Eisenhower alertou que perder a Indochina poderia levar a um efeito dominó, colocando em risco a Tailândia, Birmânia, Indonésia, Malásia, Austrália, Nova Zelândia e até influenciando o Japão a se alinhar com o mundo comunista.
Churchill, todavia, não se convenceu com o argumento de Eisenhower, e Eisenhower não fez mais esforços para persuadi-lo. Embora Churchill valorizasse a relação especial com os Estados Unidos, ele priorizou os interesses britânicos e enxergava mais riscos do que benefícios na Indochina. Ele não acreditava que uma única derrota colonial desencadearia uma catástrofe global ou um efeito dominó.
Churchill e Anthony Eden preferiam defender o Sudeste Asiático nas fronteiras da Malásia. A resposta pouco comprometedora de Churchill, transmitida por Eden, indicava a relutância britânica em se juntar à Ação Unida. Eden, que não gostava de Dulles, considerava irrealista impor termos de vitória a um inimigo que ainda não havia sido derrotado. Em 26 de abril, Churchill expressou ao almirante Radford que o Reino Unido deveria evitar guerras em áreas onde a União Soviética poderia mobilizar o entusiasmo nacionalista e dos povos oprimidos. Ele enfatizou os riscos de um ataque com bomba de hidrogênio contra o Reino Unido caso uma guerra com a China, invocando o pacto sino-russo, ocorresse.
O objetivo principal de Churchill em seu último ano era organizar uma cúpula com os líderes russos pós-Stálin para demonstrar a força ocidental e desencorajar a guerra. Quando a Conferência de Genebra começou, em 26 de abril, a Ação Unida já não era viável, e Dien Bien Phu caiu em 7 de maio, sublinhando a ineficácia da segurança coletiva.
O debate sobre Dien Bien Phu revelou a confusão na política para o Vietnã e a dificuldade de conciliar análise geopolítica, doutrina estratégica e convicção moral. Eisenhower argumentou que uma vitória comunista na Indochina poderia desencadear um efeito dominó, tornando necessária a intervenção americana, independentemente das reações de outros países. No entanto, a mudança da administração para uma doutrina de retaliação maciça implicava que uma guerra pela Indochina teria como alvo a China, o que era politicamente e moralmente injustificável.
Apesar da relutância em intervir diretamente, Eisenhower e Dulles fizeram ameaças implícitas que influenciaram o resultado da Conferência de Genebra, resultando em uma divisão do Vietnã ao longo do Paralelo 17. Essa divisão era um arranjo administrativo temporário antes de eleições supervisionadas internacionalmente. Embora os Acordos de Genebra prevessem a retirada de forças estrangeiras e proibissem bases e alianças estrangeiras, eles eram ambíguos e careciam de obrigações coletivas, refletindo a realidade do que podia ser acordado.
Seguiu-se um impasse incômodo após a Conferência de Genebra. A União Soviética e a China não estavam preparadas para uma confrontação, a França estava se retirando, os EUA careciam de apoio público para a intervenção, e os comunistas vietnamitas não eram fortes o suficiente para continuar a guerra sem abastecimento externo. Apesar dessas condições, os objetivos centrais das partes permaneceram inalterados. O governo Eisenhower ainda via a Indochina como crucial para o equilíbrio global de poder, enquanto o Vietnã do Norte visava unificar a Indochina sob o comunismo.
Dulles navegou habilmente por essa situação complexa. Embora preferisse a intervenção militar e a remoção do comunismo, ele enfrentou um resultado da conferência que legitimava o domínio comunista no Vietnã do Norte. Dulles buscou construir um acordo que alinhasse a análise estratégica com a convicção moral, promovendo a integridade territorial e a independência política sob governos estáveis e livres.
Os EUA adotaram uma posição ambígua na Conferência de Genebra, recusando-se a participar oficialmente, mas mantendo seus princípios. A declaração final dos Estados Unidos observava as resoluções e comprometia-se a evitar o uso da força, enquanto advertia contra uma nova agressão. Essa abordagem única demonstrou a posição complexa dos Estados Unidos, apoiando um acordo sobre o qual tinham reservas e que se recusaram a assinar.
Dulles não impediu a consolidação comunista no Vietnã do Norte, mas procurou conter a expansão comunista na Indochina. Ele abandonou o colonialismo francês, focando-se na contenção do comunismo. Os Acordos de Genebra forneceram uma estrutura política que alinhava os objetivos políticos e militares dos Estados Unidos, oferecendo uma base legal para resistir a novos avanços comunistas.
Os comunistas focaram-se em estabelecer seu governo no Vietnã do Norte, marcado por táticas brutais que incluíram o assassinato de pelo menos 50.000 pessoas e o aprisionamento de outros 100.000 em campos de concentração. Cerca de 80.000 a 100.000 guerrilheiros comunistas mudaram-se para o norte, enquanto cerca de um milhão de vietnamitas do norte fugiram para o sul. Os Estados Unidos encontraram um potencial aliado em Ngo Dinh Diem, um líder nacionalista, embora seu compromisso com a democracia fosse questionável.
A decisão de Eisenhower de evitar o envolvimento no Vietnã em 1954 foi mais tática do que estratégica. Ele e Dulles ainda acreditavam na importância estratégica da Indochina. Enquanto a região se estabilizava, Dulles completou a formação da Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO) em setembro de 1954, incluindo os EUA, Paquistão, Filipinas, Tailândia, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido e França. Contudo, a SEATO carecia de um objetivo político claro ou de um mecanismo de apoio mútuo, e os principais atores regionais, como Índia, Indonésia, Malásia e Birmânia, optaram pela neutralidade. Os Acordos de Genebra também impediam os três estados da Indochina de aderirem à SEATO.
As obrigações da SEATO eram vagas, exigindo que os signatários enfrentassem perigos comuns por meio de seus processos constitucionais, sem definir esses perigos ou estabelecer mecanismos de ação. Entretanto, a SEATO forneceu uma estrutura legal para a defesa da Indochina, focando particularmente nas ameaças comunistas ao Laos, Camboja e Vietnã do Sul, apesar de esses países estarem impedidos de se tornarem membros.
O futuro da Indochina, especialmente do Vietnã do Sul, dependia de sua capacidade de se tornarem nações funcionais. Esses estados nunca haviam sido governados como entidades políticas dentro de suas fronteiras atuais. O Vietnã estava historicamente dividido em Tonkin, Annam e Cochinchina, governados separadamente. O delta do Mekong, colonizado pelos vietnamitas no século XIX, foi recentemente povoado. As autoridades existentes incluíam funcionários públicos formados pelos franceses e sociedades secretas que operavam de forma autônoma, explorando a população.
Diem, o novo líder, vinha de uma formação confucionista tradicional. Ele havia servido na administração colonial, mas renunciou devido a reformas não implementadas. Passou anos como estudioso e no exílio, recusando-se a integrar diversos governos, incluindo ofertas dos japoneses, comunistas e líderes vietnamitas apoiados pelos franceses.
Líderes de movimentos de libertação muitas vezes não incorporam princípios democráticos, sustentando-se com visões de transformação. Raramente veem o estabelecimento de um governo que os tornaria dispensáveis como algo compatível com seus ideais revolucionários. O estilo de liderança de Diem, influenciado pelo confucionismo, priorizava a lealdade e a hierarquia em detrimento do debate democrático.
Em 1954, o Vietnã do Sul carecia dos fundamentos para a formação de uma nação e da democracia. Ainda assim, o governo Eisenhower estava comprometida em defender o Vietnã do Sul e promover a construção da nação, apesar das diferenças culturais. Dulles apoiava Diem como o único líder viável, e Eisenhower prometeu ajuda condicionada a reformas que criassem um governo forte e responsivo.
Inicialmente, essa abordagem parecia bem-sucedida. Ao final do mandato de Eisenhower, os Estados Unidos já haviam fornecido mais de um bilhão de dólares em ajuda, e o número de pessoal americano no Vietnã do Sul chegava a 1.500. Diem alcançou progressos significativos, estabilizando a economia, suprimindo sociedades secretas e estabelecendo controle central, ganhando elogios de oficiais dos EUA. Todavia, a suposição de que a democracia ao estilo americano era exportável mostrou-se falha à medida que a pressão comunista ressurgiu.
Em 1959, a atividade guerrilheira no Vietnã do Sul se intensificou, minando os esforços do governo para consolidar instituições estáveis. Os guerrilheiros visavam tanto oficiais corruptos para ganhar apoio popular quanto oficiais eficazes para desestabilizar a governança. Em 1960, cerca de 2.500 funcionários sul-vietnamitas eram assassinados anualmente, desestimulando oficiais motivados e deixando espaço para os corruptos.
A luta entre a construção de uma nação e o caos, entre a democracia e a repressão, favorecia os guerrilheiros. O modelo de liderança confucionista de Diem, que enfatizava a virtude em detrimento do consenso, não era propício para reformas democráticas. Seu sucesso inicial na construção da nação mascarou a falta de progresso democrático, mas à medida que a segurança piorava, os conflitos entre os valores americanos e as tradições vietnamitas se aprofundaram.
Apesar dos esforços para construir o exército sul-vietnamita, a situação de segurança continuou a se deteriorar. O exército americano, confiante em seus métodos, tentou criar um exército vietnamita modelado segundo o seu próprio, adequado para a guerra convencional, em vez das táticas de guerrilha prevalentes no Vietnã. A experiência americana na Coreia não preparou o país para os desafios no Vietnã, onde o inimigo operava sem linhas de frente bem definidas e realizava ataques indiscriminados, dificultando os esforços de defesa.
Quando o exército americano chegou ao Vietnã, aplicou táticas conhecidas: desgaste por meio de poder de fogo, mecanização e mobilidade. No entanto, esses métodos mostraram-se inadequados para o Vietnã. O exército sul-vietnamita, treinado pelos americanos, logo enfrentou os mesmos desafios que as forças francesas uma década antes. A estratégia de desgaste exige que o inimigo defenda posições vitais, mas os guerrilheiros raramente possuem tais posições, tornando quase irrelevantes exércitos mecanizados e baseados em divisões.
Nos estágios iniciais do envolvimento americano, a guerra de guerrilha ainda estava se desenvolvendo, e as questões militares não eram ainda dominantes. O progresso parecia possível até o final do governo Eisenhower, quando Hanói intensificou a guerra de guerrilha e começou a estabelecer um sistema logístico através do Laos, criando a Trilha Ho Chi Minh.
Ao deixar o cargo, a principal preocupação de Eisenhower era o Laos, que ele via como crucial para a “Teoria do Dominó”. Ele acreditava que, se o Laos caísse para o comunismo, países vizinhos como Camboja, Vietnã do Sul, Tailândia e Birmânia também poderiam cair, potencialmente levando ao controle comunista do Sudeste Asiático. Ele recomendou ao presidente eleito Kennedy que a defesa do Laos era essencial, mesmo que significasse agir sem aliados.
Nesse ponto, o envolvimento dos Estados Unidos na Indochina ainda não havia atingido uma escala que afetasse irreparavelmente sua credibilidade global. O esforço ainda estava alinhado com os objetivos de segurança regional e não era tão extenso a ponto de exigir justificativa por meio de vindicação.
A Teoria do Dominó havia se tornado amplamente aceita, mas carecia de nuances. A questão chave não era se o comunismo deveria ser resistido na Ásia, mas se o Paralelo 17 do Vietnã era a linha correta a defender e se outra linha defensiva, como nas fronteiras da Malásia, poderia ser mais apropriada. Considerações geopolíticas foram ofuscadas pelas lições morais de Munique, onde a retirada foi vista como um agravamento das dificuldades e moralmente errada. Eisenhower defendia o envolvimento americano enfatizando a necessidade de sustentar a moral, o progresso econômico e a força militar no Vietnã para garantir sua liberdade.
O compromisso dos Estados Unidos com ideais universalistas significava que o país não podia priorizar a conveniência estratégica em detrimento do princípio. Os líderes americanos acreditavam genuinamente na defesa de países com base no princípio, e não no interesse nacional.
Escolher o Vietnã como a linha contra a expansão comunista garantiu dilemas futuros. Se a reforma política era essencial para derrotar os guerrilheiros, seu crescimento questionava a relevância ou aplicação das recomendações americanas. Se o Vietnã era crucial para o equilíbrio global, as necessidades geopolíticas poderiam, em última análise, forçar os Estados Unidos a se comprometerem plenamente em uma guerra distante. Essas questões não resolvidas foram deixadas para Kennedy e Johnson enfrentarem.
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