Economia Brasileira no Governo Café Filho

Homem de meia idade, usando óculos e vestido com um terno escuro e gravata, sentado atrás de uma mesa de escritório. Ele parece concentrado em um monte de papéis que está segurando com a mão direita. Sobre a mesa, há mais documentos, um telefone preto de disco e um carimbo. A mesa tem uma placa na frente com os dizeres "DIPLOMA DE VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA 1951-1956". Ao fundo, uma cortina listrada e uma luminária de mesa com uma cúpula decorada pendurada acima dele.
Café Filho, presidente do Brasil de 1954 até 1955. Imagem de domínio público.

De 1954 até 1955, o Brasil foi governado pelo presidente João Fernandes Campos Café Filho, conhecido geralmente como Café Filho. Ele era vice-presidente do segundo governo de Getúlio Vargas, e ascendeu ao poder após o suicídio deste último. Ao assumir a presidência, Café Filho inicialmente implementou uma profunda reviravolta na política econômica, durante a gestão de Eugênio Gudin no Ministério da Fazenda. Em 1955, porém, pressões políticas levariam à substituição de Gudin por José Maria Whitaker, que executou uma nova guinada na economia brasileira — do contracionismo para o expansionismo. Ao final do governo Café Filho, Whitaker demitiu-se porque não conseguiu colocar em prática todas as suas ideias sobre a política econômica. Seu substituto, Mário Câmara, pouco pôde fazer nos últimos três meses do governo.

Gudin no Ministério da Fazenda

Após o suicídio do presidente Vargas, em 24 de agosto de 1954, Café Filho tomou posse como presidente interino, até a realização de novas eleições. Ele herdou um cenário de inflação, déficit fiscal e crise no balanço de pagamentos. As duas primeiras deviam-se às políticas expansionistas do governo anterior, que buscava usar a força do Estado para incentivar o crescimento econômico. A terceira, por sua vez, decorria dos níveis excessivos de dívida externa e de um boicote ao café brasileiro promovido pelos compradores estadunidenses, que levou a uma queda de preços e prejudicou as exportações do Brasil.

Para enfrentar esse quadro desfavorável, Café Filho nomeou defensores do liberalismo econômico para todos os órgãos principais de gestão da economia. No Banco do Brasil, estava Clemente Mariani. Na Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), uma espécie de banco central, estava Otávio Gouveia de Bulhões. No Ministério da Fazenda, estava Eugênio Gudin.

No plano da economia doméstica, Gudin adotou um plano de estabilização bastante ortodoxo, caracterizado pelas seguintes medidas:

  • Política monetária contracionista: Houve o aumento dos juros, das taxas de redesconto, e das taxas do compulsório. Além disso, o dinheiro dos bancos que fosse compulsoriamente retido pelo governo o seria não mais no Banco do Brasil, porém na SUMOC, com o fito de garantir a contração do crédito.
  • Política fiscal contracionista: Houve uma redução nos investimentos públicos e uma tentativa infrutífera de aumentar os impostos, a qual foi barrada pelo Congresso. Além disso, o governo manteve o sistema de múltiplas taxas de câmbio, que havia sido introduzido pela Instrução 70 da SUMOC, no governo anterior. Isso contrariava os desejos do Fundo Monetário Internacional (FMI), que enviou missão técnica ao Brasil em março de 1955 para tentar mudar isso. Contudo, o governo demonstrou aos técnicos que a arrecadação fiscal proporcionada por leilões de moeda estrangeira a diferentes taxas era fundamental para o país.

As políticas ortodoxas de Gudin tiveram imediatos efeitos deletérios. Como repentinamente não havia mais liquidez na economia, sucedeu-se uma queda dos investimentos privados e uma série de falências e concordatas. Tamanha foi a crise que o governo se viu forçado a realizar operações de redesconto de emergência, oferecendo dinheiro imediato para os bancos, a troco de títulos de dívidas que eles possuíam. Apesar de tudo isso, não se observou uma queda significativa do nível da atividade industrial brasileira. Ademais, é verdade que a inflação herdada de Vargas diminuiu. Entretanto, isso não foi uma consequência das políticas contracionistas — foi uma consequência da queda dos preços internacionais de gêneros agrícolas. Uma evidência disso é o fato de que os preços industriais brasileiros aumentaram consideravelmente no mesmo período.

A prioridade de Eugênio Gudin, porém, era estabilizar o balanço de pagamentos do país, que vivenciava graves problemas. Uma medida inicial nesse sentido foi a obtenção de empréstimos externos. O Brasil já tinha garantidos 80 milhões de dólares, que haviam sido obtidos pelo então ministro Oswaldo Aranha junto ao Federal Reserve Bank em Washington. Graças ao prestígio de Gudin junto à comunidade financeira internacional, o Brasil conseguiu obter mais um empréstimo oficial do governo estadunidense, no mesmo valor. Todavia, como a nova quantia era tida como insuficiente, e o governo de Eisenhower relutava em ajudar o Brasil, Gudin teve de buscar mais 200 milhões de dólares em empréstimos de bancos privados. Esse crédito seria pago em cinco anos, à taxa de 2,5% ao ano, e seria garantido pelas reservas internacionais em ouro do país. Embora envolvessem grandes quantias, esses empréstimos resolviam os problemas cambiais apenas no curto prazo.

A solução de longo prazo viria com a Instrução 113 da SUMOC, elaborada em janeiro de 1955. Em termos práticos, ela era uma medida para facilitar a importação de máquinas, equipamentos e insumos para a indústria brasileira. Ela funcionava da seguinte maneira:

  • Antigamente, a Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil (CACEX) apenas emitia licenças de importação caso houvesse a chamada ‘cobertura cambial’: os importadores eram obrigados a obter um compromisso de que o Banco do Brasil lhes venderia moedas estrangeiras para serem enviadas ao exterior, em troca do produto importado. Esse mecanismo era desfavorável para os investidores estrangeiros, porque eles primeiro tinham de ingressar com divisas no Brasil pela taxa de câmbio livre (desvalorizada) e depois comprar licenças de importação pela taxa de câmbio da importação de bens de capital (valorizada).
  • Com a publicação da Instrução 113, a CACEX poderia emitir licenças de importação de bens de capital sem cobertura cambial — ou seja, sem a aquisição de dólares pelos importadores. Em troca da importação, as empresas estrangeiras poderiam apenas ter participação societária na empresa importadora. Isso daria um subsídio indireto às empresas estrangeiras, que deixariam de perder dinheiro com operações cambiais.
  • Ademais, a Instrução 113 também autorizou a CACEX a emitir licenças para empresas nacionais importarem bens de capital financiados no exterior em prazo não inferior a cinco anos. O câmbio que seria usado para quitar esses financiamentos teria, na prática, uma vantagem de ~30% para as empresas nacionais. No entanto, como inexistiam financiamentos no exterior que se enquadrassem nos termos exigidos pela lei, os investidores nacionais, na prática, não se beneficiaram das mudanças trazidas pela Instrução 113.

Para o economista brasileiro Demosthenes Pinho Neto, a Instrução 113 nada mais fez do que desburocratizar as importações sem cobertura cambial. Tais tipos de importações já ocorriam anteriormente, porém dependiam da autorização de órgãos sujeitos a pressões políticas. Como consequência do novo regime de importações, a demanda por dólares caiu — o que beneficiava o governo e a sociedade como um todo — e inúmeras multinacionais estrangeiras ampliaram seus investimentos no Brasil. Isso teria bastante relevância no governo de Juscelino Kubitschek, quando haveriam fortes incentivos à instalação de indústrias automobilísticas no país. Por outro lado, a Instrução 113 foi alvo de fortes críticas, porque favorecia os investidores estrangeiros (em detrimento das empresas nacionais) e porque facilitava a importação de equipamentos menos avançados, que poderiam vir para o Brasil sem contrapartida monetária.

No que tange ao setor cafeeiro brasileiro, que tinha demasiada importância desde o Período Imperial, Eugênio Gudin manteve a política conhecida pejorativamente como ‘confisco cambial’. Essa política decorria da Instrução 70 da SUMOC, que desincentivava a exportação de café ao estipular uma taxa de câmbio mais valorizada para essa operação. Em abril de 1955, diante da oposição à ortodoxia e às políticas contrárias aos exportadores de café, Eugênio Gudin pediu demissão do Ministério da Fazenda e foi substituído por José Maria Whitaker — um nome que agradava aos cafeicultores.

Whitaker no Ministério da Fazenda

Assim que foi empossado no cargo de Ministro da Fazenda, José Maria Whitaker implementou uma política monetária expansionista, visando a enfrentar os males do ajuste ortodoxo que havia sido feito por Gudin. Houve uma redução das taxas de redesconto e do compulsório, além de uma expansão do crédito. Entretanto, não se queria que essa guinada significasse o retorno de altos níveis de inflação. Por isso, Whitaker determinou que o crédito apenas seria expandido para os setores agrícola, industrial e comercial, com prazo máximo de 120 dias para a quitação dos empréstimos. Ele acreditava na chamada ‘doutrina das letras reais’ (real bills doctrine), segundo a qual a cessão de créditos de curto prazo para os setores produtivos não acarretaria uma escalada inflacionária.

Embora tenha sido apoiado pelos cafeicultores, Whitaker pensava que a sustentação artificial de elevados preços do café era um erro. Para ele, o governo brasileiro arcava com todos os custos dessa política, porém beneficiava igualmente os concorrentes estrangeiros no mercado do café. Com isso, ele determinou a suspensão temporária das compras de café pelo governo, para reduzir os preços, prejudicar a concorrência e conquistar novos mercados. Essa guinada foi veementemente criticada por Alkindar Junqueira, presidente do Instituto Brasileiro do Café. Junqueira afirmava que reduzir o preço internacional desse produto não seria favorável ao Brasil, uma vez que se trata de um produto de demanda inelástica — isto é, uma que pouco aumenta quando o preço cai. Então, ele firmou um plano com os concorrentes do Brasil para contrair a oferta de café, mas isso foi rejeitado pelo governo e acarretou a sua demissão.

A prioridade de Whitaker era acabar com o chamado ‘confisco cambial’, por meio da instituição de uma única taxa de câmbio flutuante, que seria desvalorizada, para quaisquer tipos de importação ou exportação. Por mais que isso tivesse o potencial de agravar a inflação, o ministro estava convicto de que era a coisa certa a ser feita. Nesse sentido, ele deu autonomia para o superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), Roberto Campos, elaborar uma reforma cambial.

Campos sabia que, para unificar as taxas de câmbio, o Brasil precisava diminuir as pressões sobre o balanço de pagamentos. Isso seria feito por três medidas:

  • Consolidar as dívidas de curto prazo em uma única dívida de longo prazo.
  • Obter uma linha de crédito de reserva para estabilizar o mercado de câmbio.
  • Reformular as tarifas de importação para proteger a indústria nacional dos efeitos deletérios da desvalorização cambial que era esperada. Para isso, o Brasil comunicou ao Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) a intenção de substituir as suas tarifas específicas (cobradas como um valor fixo por quantidade de produtos importados) por tarifas ad valorem (tarifas percentuais, que variariam de acordo com os preços dos produtos importados) a partir de 1956.

Em junho de 1956, o diretor do FMI, Edward Bernstein, publicou um relatório no qual propunha como reformar a política cambial: ora manter o câmbio fixo, porém desvalorizar e unificar as taxas de câmbio (exceto para importações), ora adotar o câmbio flutuante, com taxas únicas para as importações e para as exportações, respectivamente, além de sobretaxas para as importações.

Com base no Relatório Bernstein, Roberto Campos fez um projeto de instrução da SUMOC que previa a adoção do câmbio flutuante e a unificação das taxas de câmbio. A exceção a isso seria a taxa de câmbio para a exportação do café, que seria progressivamente desvalorizada até que chegasse ao patamar da taxa unificada. Embora José Maria Whitaker defendesse a abolição imediata do ‘confisco cambial’, Roberto Campos convenceu-o a apoiar uma abolição gradual, ao longo de dois anos, para evitar distúrbios no setor cafeeiro. Além disso, a renda dos cafeicultores na moeda brasileira (o cruzeiro) seria garantida, porque o ritmo de desvalorizações seria proporcional a possíveis quedas no preço do café.

O projeto de Roberto Campos refletia uma visão crítica à industrialização por substituição de importações — modelo adotado na América Latina que minava importações por meio de taxas de câmbio artificialmente sobrevalorizadas. Para o superintendente do BNDE, essa política afetava negativamente o balanço de pagamentos. Não surpreendentemente, o projeto foi entusiasticamente aprovado pelo FMI.

Todavia, os funcionários do Ministério da Fazenda e as elites econômicas se opunham a uma reforma de tamanha envergadura em um governo provisório que chegava ao seu fim. Devido a isso, Café Filho decidiu enviar o projeto de reforma cambial para a apreciação do Congresso. Na prática, isso representou o abandono de qualquer esperança de implementação do projeto.

Como não conseguiu unificar o câmbio, Whitaker pediu demissão do Ministério da Fazenda e foi substituído por Mário Câmara. Nos últimos três meses do governo Café Filho, o novo ministro adotou o contracionismo monetário, por meio da elevação das taxas de redesconto, mas isso teve poucos efeitos.

Conclusão

Para parte significativa da historiografia, o governo Café Filho é considerado um mero período intermediário (interregno) entre presidentes que refletiam as preferências do povo brasileiro naquela época: Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck (JK), ambos interessados em estimular o desenvolvimento nacional. Café Filho começou a governar com uma política econômica contracionista, conduzida por Eugênio Gudin, mas logo foi obrigado a mudar de rumos por pressão dos cafeicultores. O novo ministro, José Maria Whitaker, buscou expandir o crescimento econômico e unificar as taxas de câmbio, mas só teve sucesso no primeiro objetivo. Em 1954 e 1955, o PIB do Brasil manteve altos níveis de crescimento — 7,8% e 8,8%, respectivamente. A partir de 1956, sob a liderança de Juscelino Kubitschek, o país vivenciaria um progresso econômico ainda maior.


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