Economia Brasileira no Segundo Governo Vargas (1951-1954)

Retrato de Getúlio Vargas, presidente do Brasil em dois momentos distintos: de 1930 a 1945, e de 1951 até 1954.
Retrato de Getúlio Vargas, presidente do Brasil em dois momentos distintos: de 1930 a 1945, e de 1951 até 1954. Imagem de domínio público.

O segundo governo Vargas ocorreu de 1951 até 1954, quando Getúlio Vargas voltou ao poder após um breve intervalo de governo de Eurico Gaspar Dutra. Durante esse período, o Brasil enfrentou cenários adversos: inflação, déficit público e crises cambiais. Em termos de política monetária e fiscal, houve tanto políticas contracionistas quanto políticas expansionistas — porque o governo precisava enfrentar os males econômicos, porém não queria abrir mão da prerrogativa de estimular o desenvolvimento econômico. Similarmente, na política cambial, o protecionismo foi frequentemente empregado como forma de incentivar a indústria nacional. Apesar dos benefícios dessa política, ela tornava difícil o combate à inflação. Como um todo, esse período da história do Brasil foi caracterizado por sucessivas crises monetárias, fiscais e cambiais, as quais não seriam adequadamente resolvidas por Vargas, e deixariam um legado perverso.


Quando Vargas disputou as eleições presidenciais de 1950, ele propunha realizar um governo dividido em duas etapas — “Após Campos Sales, Rodrigues Alves”, em suas palavras. Era uma alusão a dois governos da Primeira República: o primeiro caracterizado por ajustes econômicos, e o segundo marcado pela retomada dos projetos de incentivo ao crescimento econômico.

No início, os ajustes econômicos eram necessários porque o Brasil enfrentava um quadro de inflação e déficit público. Nesse sentido, o Ministério da Fazenda, chefiado por Horácio Lafer, adotou políticas monetária e fiscal contracionistas. Todavia, havia dois elementos que minavam a eficácia dessas medidas:

  • Expansão do crédito: O presidente do Banco do Brasil, Ricardo Jafet, insistia em expandir a concessão de crédito, a despeito das orientações do governo.
  • Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico (Plano Lafer): Elaborado em novembro de 1951, ele foi uma tentativa de desenvolver alguns setores da economia: agricultura, indústria de base, infraestrutura logística e energia. Para investir neles, o governo previa aumentar impostos e captar recursos externos, principalmente dos Estados Unidos. O dinheiro para o plano seria destinado ao recém-criado Fundo de Reaparelhamento Econômico.

Naquela época, o balanço de pagamentos do Brasil estava em situação favorável. O preço do café aumentava, e esperava-se que os estadunidenses investissem na América Latina como forma de angariar apoio em meio à Guerra da Coreia. Contudo, os Estados Unidos não tinham tantas pretensões assim de investir no Brasil. Eles preocupavam-se com as políticas nacionalistas de Vargas e, também, ficaram contrariados com a recusa dos brasileiros de enviar tropas para o conflito na Península Coreana. Na ausência do capital estrangeiro, o Plano Lafer esteve fadado ao fracasso. Ele foi aprovado com grande resistência pelo Congresso, e suas metas apenas seriam concretizadas no governo de Juscelino Kubitschek.

Em termos de política cambial, o Brasil adotou uma taxa de câmbio fixa e sobrevalorizada, e afrouxou as restrições às importações. A ideia era usar o câmbio como um mecanismo anti-inflacionário, atrair investimentos, e impedir possíveis dificuldades para importar produtos no contexto de Guerra da Coreia.

Os esforços para contrair a base monetária não funcionaram, e a inflação persistiu nos mesmos níveis de antes. Por outro lado, o ajuste fiscal funcionou, e trouxe o primeiro superávit global dos governos federal e estaduais desde 1926.

Os maiores problemas da economia brasileira passaram a ser no balanço de pagamentos. O câmbio sobrevalorizado levou a uma explosão de importações, particularmente de bens de capital e outros bens de produção, ao passo que as exportações caíam substancialmente. Para piorar o cenário, ocorria uma crise mundial no setor têxtil, que prejudicava a produção brasileira de algodão. De imediato, o governo viu-se forçado a restabelecer o controle de importações, limitando a concessão de licenças de importação. Entretanto, como as licenças que já haviam sido concedidas tinham validade de 6 a 12 meses, sucederam-se problemas cambiais no Brasil mesmo assim. Os crescentes déficits na balança comercial implicavam o esgotamento das reservas internacionais em moedas conversíveis e o acúmulo de atrasados comerciais. Por fim, a crise cambial dificultava os sonhos de o governo incentivar o crescimento do país.

Em junho de 1952, foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Sua intenção era gerir o Fundo de Reaparelhamento Econômico e receber aportes do governo e de outros países para financiar projetos de desenvolvimento nacional. No entanto, em 1953, o republicano Eisenhower ascendeu à presidência dos Estados Unidos e passou a negligenciar as demandas financeiras da América Latina. Como não podia mais contar com o crédito estadunidense, o Brasil teve de mudar sua política econômica no início de 1953.

A partir de então, foi adotada uma política fiscal expansionista, por meio da realização de obras de infraestrutura e da concessão de abonos para os funcionários públicos. Além disso, foi inaugurada uma política comercial protecionista, por meio da Lei do Mercado Livre, de 17 de janeiro de 1953. Essa regulamentação introduziu um modelo de múltiplas taxas de câmbio, visando a aumentar as exportações, diminuir as importações não essenciais e estimular a entrada de capital externo. Na prática, ela teve resultados decepcionantes.

Em outubro de 1953, embora a indústria brasileira continuasse a crescer bastante, o país enfrentava problemas monetários, fiscais e cambiais. Isso demandou uma reformulação das políticas monetária e cambial, em dois aspectos:

  • Instrução 70 da SUMOC: A SUMOC era a Superintendência da Moeda e do Crédito, o órgão equivalente a um banco central no Brasil. De acordo com essa instrução expedida por ela, o Banco do Brasil teria o monopólio da venda de moeda estrangeira, e seria extinto o controle quantitativo das importações — ou seja, não seria mais necessária uma autorização prévia para importar produtos. Além disso, o sistema de múltiplas taxas de câmbio foi substituído por um sistema de bonificações incidentes sobre a taxa oficial de câmbio. Na prática, existiriam cinco taxas de câmbio: três taxas para a importação e duas taxas para a exportação, com um intuito protecionista.
  • Programa Aranha: Era um plano econômico essencialmente voltado para combater a inflação, por meio do contracionismo monetário e fiscal. Previa-se que o Banco do Brasil estaria subordinado ao Ministério da Fazenda, para impedir que essas instituições adotassem medidas contraditórias entre si (como ocorrido na gestão de Ricardo Jafet no banco). Ademais, previa-se que o governo passaria a ter uma política orçamentária melhor definida, para tentar coibir o gasto público em excesso.

A Instrução 70 da SUMOC teve como consequência uma desvalorização do câmbio e o aumento da arrecadação do governo. Graças ao câmbio depreciado, as exportações brasileiras foram incentivadas, e sucederam-se superávits na balança comercial. O aumento na arrecadação fiscal, por sua vez, decorria do fato de a moeda estrangeira para a maioria das importações ser vendida em leilões sobre os quais o governo ganhava ágio. Outra consequência da Instrução 70 foi o chamado “confisco cambial”: o fato de os exportadores de café passarem a ter menos ganhos em moeda brasileira. Isso acontecia porque a taxa de câmbio definida para a exportação de café era levemente sobrevalorizada, como forma de desincentivar um excesso de oferta pelos cafeicultores. Essa medida foi amplamente criticada por esse setor econômico, porém não foi revogada.

O Programa Aranha fracassou no controle da inflação, porque o governo foi incapaz de reduzir os investimentos públicos e porque o protecionismo comercial dificultava a entrada de produtos estrangeiros, mais baratos, no país.

Assim, no início de 1954, o Brasil enfrentava uma conjuntura de inflação, déficit fiscal e desvalorização cambial. Ao longo desse ano, a situação agravaria:

  • Agravamento da inflação e do déficit fiscal: Em 1º de maio de 1954, o governo concedeu um aumento de 100% do salário mínimo para toda a população. Esse reajuste foi muito acima do que seria necessário para recompor as perdas salariais ocasionadas pela inflação (53%). Além disso, tal medida contrariava frontalmente as ideias de políticos como Sousa Dantas, presidente do Banco do Brasil, que propunham um reajuste de 33%.
  • Agravamento do balanço de pagamentos: Diante de uma alta nos preços internacionais do café, alguns consumidores dos Estados Unidos decidiram boicotar esse produto. Para eles, o Brasil adotava práticas monopolistas no mercado cafeeiro. Em reação, eles interromperam abruptamente as compras de café, causando uma imediata queda nas exportações brasileiras.

Em 14 de agosto de 1954, o governo até tentou enfrentar a deterioração das condições da economia brasileira, por meio da Instrução 99 da SUMOC. Essa lei permitia a venda de parte da moeda estrangeira obtida com a exportação de café no mercado livre, sem sobretaxas, como forma de reduzir o preço mínimo do café. Ela provocou uma desvalorização cambial em 27%, mas não foi eficaz em ajudar o setor cafeeiro. De todo modo, os problemas seriam deixados como legado para o governo subsequente, porque Getúlio Vargas desgastou-se politicamente e optou por suicidar-se em 24 de agosto de 1954. Por um breve período, o Brasil passaria a ser governado pelo então vice-presidente, Café Filho.


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