A Revolução Americana permanece como um dos eventos mais significativos da história mundial. Iniciando no século XVII, os assentamentos britânicos na América tornaram-se cada vez mais autônomos e engajaram-se em rebelião após serem incitados por leis e impostos opressivos. A Guerra da Independência dos Estados Unidos começou em 1775 e seu término foi formalmente reconhecido apenas pelo Tratado de Paris de 1783. Durante esses anos turbulentos, George Washington liderou os americanos para derrotar o domínio colonial britânico, mas os britânicos conseguiram manter controle de suas posses no Caribe. O processo de independência moldou os ideais americanos, talvez ainda mais do que o legado colonial britânico. Para entender a ideologia dos Estados Unidos, é crucial refletir sobre o nascimento do país.
As Treze Colônias
Em 1494, a região da América do Norte Oriental foi designada à Espanha sob o Tratado de Tordesilhas, mas mais tarde foi conquistada pela Rainha da Inglaterra durante uma guerra religiosa. A terra começou a ser povoada no século XVII, com a fundação das Treze Colônias entre 1607 e 1682. O primeiro assentamento britânico permanente na América do Norte foi fundado em Jamestown, Virgínia.
Com o tempo, surgiram diferenças significativas entre as Treze Colônias:
- As Colônias do Sul tinham um clima subtropical favorável para plantações em larga escala, operadas por escravos, principalmente voltadas para a produção agrícola para a exportação.
- As Colônias do Norte, com um clima temperado semelhante ao da Inglaterra, focavam na produção agrícola para o mercado interno, em vez de exportação. Essas colônias, que praticavam o auto-governo, não eram estritamente reguladas sob o pacto colonial, uma política muitas vezes chamada de “negligência salutar”. Essa política possibilitou um grande grau de liberdade para os colonos.
- As Colônias do Meio representavam uma configuração híbrida, combinando ambos os tipos de exploração econômica: atendendo tanto ao mercado doméstico quanto ao estrangeiro. Nova York, anteriormente conhecida como Nova Amsterdã, era um exemplo primordial disso.
Ao longo do século XVIII, as Treze Colônias estavam no processo de desenvolver uma identidade única, marcada por um crescimento do seu poderio econômico e so seu desenvolvimento cultural. Por exemplo, sua população cresceu de cerca de 250.000 para 1,5 milhão no período de 1700 a 1760. Entretanto, isso não implicava uma ruptura entre a Inglaterra e a América, algo que não ocorreu até meados do século XVIII — ou seja, mais de 150 anos após a fundação de Jamestown.
As Desavenças entre a Inglaterra e as Treze Colônias
De 1756 a 1763, a Guerra dos Sete Anos colocou a Grã-Bretanha e a Prússia contra a França e a Áustria. Nas Américas, esse conflito deu origem à Guerra Franco-Indígena, caracterizada pela participação de tribos nativas americanas em ambos os lados do conflito. O governo britânico venceu a guerra, percebendo então a necessidade de uma nova estratégia colonial, considerando os interesses dos canadenses franceses e dos nativos americanos.
A Inglaterra argumentava que a vitória na guerra foi benéfica para os americanos, então esperava-se que compartilhassem o enorme ônus financeiro do conflito. Por outro lado, as colônias, que haviam se acostumado a um grau considerável de autonomia, buscavam ainda mais liberdade e viam menos necessidade de uma presença britânica robusta, dado o menor risco francês. A Coroa e o Parlamento, um tanto desligados do outro lado do Atlântico, enfrentaram oposição de colônias proficientes em auto-governo e ressentidas com a interferência externa.
Naquela época, a Inglaterra também começava a sua bem-sucedida Revolução Industrial, o que aumentou sua demanda por matérias-primas, como o algodão, e por mercados consumidores, como as Treze Colônias. Os britânicos não tinham mais a vontade de consentir com uma política de negligência salutar. Em vez disso, começaram a, de fato, aplicar o Pacto Colonial, além de introduzir novas leis que eram prejudiciais às Treze Colônias.
A Aplicação do Pacto Colonial
Para organizar os territórios conquistados durante a guerra, notadamente o Canadá e o Vale do Ohio, a Grã-Bretanha teve que levar em conta os desejos das populações francesas e nativas americanas. Seus interesses entraram diretamente em conflito com os dos colonos, que estavam focados na expansão para o oeste até o rio Mississippi. Os britânicos, preocupados com potenciais conflitos com tribos nativas, favoreceram uma expansão para oeste gradual. Isso levou à Proclamação Real de 1763, que proibia a expansão colonial a oeste das Montanhas Allegheny para apaziguar as tribos nativas americanas. Isso causou grande insatisfação entre os colonos, que viram tal medida como uma afronta aos seus direitos à terra.
Em 1764, a Lei do Melaço (Molasses Act) foi substituída pela Lei do Açúcar (Sugar Act), que visava a reduzir o contrabando ao tornar o melaço legalmente importado, das ilhas do Caribe, mais barato do que os produtos contrabandeados. Essa lei reduziu o imposto sobre o açúcar, mas aumentou a fiscalização e aumentou a arrecadação tributária. Por exemplo, não só aumentou as taxas sobre o melaço, como também taxou itens adicionais como vinhos e sedas. Para fazer cumprir essa lei, os britânicos aumentaram a presença de seus navios de guerra e oficiais aduaneiros nas águas americanas, o que apenas intensificou as tensões com os comerciantes da Nova Inglaterra que sentiam que essas medidas ameaçavam seus meios de subsistência.
Em 1765, a Lei do Selo (Stamp Act) exigia que muitos materiais impressos que circulavam nas colônias fossem produzidos em papel timbrado de Londres, portando um selo tributário. Essa lei afetou uma ampla gama de americanos, provocando descontentamento e resistência organizada. Por exemplo, alguns colonos fundaram o grupo chamado “Sons of Liberty”, que boicotou produtos caribenhos e defendeu o princípio de “no taxation without representation” — ou seja, exigindo representação no Parlamento britânico se este órgão fosse impor impostos às Treze Colônias.
Também em 1765, a Lei do Aquartelamento (Quartering Act) exigia que os colonos alojassem tropas britânicas em suas casas, o que foi visto por eles como uma afronta aos seus direitos.
Até então, a resistência às medidas britânicas estava generalizada e vigorosa, levando à revogação do Ato do Selo em 1766. Todavia, ao fazê-lo, o Parlamento aprovou o Ato Declaratório, afirmando sua autoridade incondicional para promulgar leis para as colônias. Esse foi um claro desafio ao princípio de “no taxation without representation”.
Mais conflitos foram causados pelos Townshend Acts em 1767, impondo taxas sobre materiais importados como chá, vidro, papel e tinta. Isso levou a novos acordos de não importação e boicotes, que impactaram significativamente os comerciantes britânicos e desencadearam protestos notáveis, com violência, particularmente em Boston. A resposta britânica ao descontentamento incluiu o envio de tropas para manter a ordem. Isso culminou no Massacre de Boston em 1770, com a morte de cinco colonos e uma escalada significativa das tensões.
Em março de 1770, após esse trágico desenvolvimento, o Parlamento britânico revogou a maior parte dos impostos dos Townshend Acts, no entanto, os direitos sobre o chá permaneceram. Três anos depois, um grupo de colonos, disfarçados de nativos americanos, decidiu realizar um protesto direto contra o imposto sobre o chá e o monopólio percebido da Companhia Britânica das Índias Orientais. Na Festa do Chá de Boston (Boston Tea Party), eles despejaram um carregamento de chá no mar, precipitando as medidas mais duras britânicas desde o fim da negligência salutar.
As Leis Intoleráveis (Coercive Acts) de 1774 pretendiam punir Massachusetts por se revoltar contra as autoridades coloniais:
- A Lei do Porto de Boston fechou o porto da cidade até que os danos do Boston Tea Party fossem compensados.
- A Lei do Governo de Massachusetts reestruturou o governo colonial, concedendo amplos poderes ao governador, nomeado pela Coroa.
- A Lei de Administração da Justiça permitiu que crimes coloniais fossem julgados em qualquer tribunal colonial, minando a autoridade judicial local.
- Outra Lei do Aquartelamento permitiu que as tropas britânicas fossem alojadas em edifícios coloniais vagos.
- A Lei de Quebec estendeu a fronteira de Quebec até o rio Ohio e aprimorou o status da Igreja Católica. Isso antagonizava os interesses dos colonos protestantes que viviam nas Treze Colônias.
Em vez de isolar Massachusetts, as Leis Intoleráveis acabaram unindo as colônias em oposição aos britânicos. A partir de então, inspirados pelas ideias de filósofos ingleses do século XVII, os colonos passaram a reivindicar seus direitos fundamentais, como o direito à revolta e o direito à representação política. Esses ideais elevados os fizeram se aproximar cada vez mais da independência.
Em 1774, os colonos se reuniram na Filadélfia para o Primeiro Congresso Continental. Esta reunião foi marcada por uma divisão entre os Legalistas e os Patriotas:
- Os Legalistas, que eram a maioria, incluíam burocratas como juízes e governadores. Eles eram menos afetados pelos impostos britânicos, especialmente nas áreas mais afastadas. Como acreditavam que a Grã-Bretanha venceria qualquer conflito potencial, preferiam buscar negociações políticas com a Inglaterra em vez de independência.
- Os Patriotas, que representavam uma parte não negligenciável da população, viam a independência como uma oportunidade econômica. Eles contavam com o apoio das milícias “Minutemen”, que estavam prontas para lutar pela autonomia completa a qualquer momento.
Durante o Primeiro Congresso Continental, cada colônia tinha um voto. Eles formaram a Associação Continental para fazer cumprir um novo boicote aos produtos britânicos, incluindo uma proibição ao comércio com as ilhas do Caribe (as Índias Ocidentais). De forma pacífica, decidiram enviar uma petição ao Parlamento britânico, reivindicando seus direitos, mas isso acabou sendo inútil. Assim, de forma não tão pacífica, também decidiram incentivar os colonos a reunir armas e formar milícias.
O Congresso tinha como objetivo apresentar uma frente unida para exigir concessões da Grã-Bretanha, evitando ao mesmo tempo o radicalismo aberto que poderia ameaçar a unidade das colônias. Contudo, o desejo pela independência foi fortalecido, abrindo o caminho para a Revolução Americana.
A Guerra da Independência Americana
A Guerra Revolucionária começou contra o General Thomas Gage, um comandante britânico aquartelado em Boston, com a tarefa de aplicar as Leis Intoleráveis. Ciente de que os colonos de Massachusetts estavam acumulando armas em Concord, Gage enviou tropas para apreender esses armamentos. Em 19 de abril de 1775, as forças britânicas encontraram os Minutemen em Lexington, levando ao primeiro confronto onde vários Minutemen foram mortos, sinalizando o início das hostilidades. O confronto, famosamente apelidado de “o tiro ouvido ao redor do mundo”, escalou enquanto os britânicos se moviam em direção a Concord e eram continuamente hostilizados pelas forças americanas em sua retirada para Boston, sofrendo baixas significativas.
À medida que o conflito se intensificava, o Segundo Congresso Continental se reuniu na Filadélfia em 10 de maio de 1775. Essa reunião foi dominada pela maioria dos Patriotas, que pressionavam por ações decisivas. Eles votaram pela guerra contra a Inglaterra e estabeleceram o Exército Continental sob a liderança de George Washington, o comandante-chefe. Apesar de uma derrota inicial em Bunker Hill em junho de 1775, o Exército tentou invadir o Canadá e manteve a pressão sobre as forças britânicas.
Nesse momento, alguns colonos ainda desejavam se reconciliar com a Grã-Bretanha, como Olive Branch, que enviou uma petição ao Rei George. Esses esforços não foram correspondidos pelo monarca, que, em vez disso, declarou as colônias em rebelião. Enquanto isso, líderes britânicos tentaram aproveitar o medo de levantes de escravos no Sul, uma estratégia que acabou por favorecer ainda mais a causa revolucionária.
Em janeiro de 1776, Thomas Paine publicou “Senso Comum”, um panfleto que atacava a monarquia e advogava por uma república. Esse documento desempenhou um papel crucial na mudança da opinião pública para a independência plena. Assim, em 4 de julho de 1776, o Segundo Congresso Continental adotou a Declaração de Independência, que articulava o direito das colônias ao auto-governo e a direitos humanos fundamentais. A Declaração citava o “poder arbitrário” da monarquia como justificativa para a ruptura com a Grã-Bretanha.
No final de 1776, derrotas americanas estavam levando a uma situação precária na revolução. No entanto, o exército de Washington conseguiu alcançar a vitória nas Batalhas de Trenton e Princeton, com ataques ousados que revitalizaram as esperanças americanas. Além disso, outras vitórias em setembro e outubro de 1777, nas Batalhas de Saratoga, ajudaram a melhorar a posição militar americana.
Em novembro de 1777, o Segundo Congresso Continental finalizou os rascunhos dos Artigos da Confederação, que criaram uma aliança defensiva entre as Treze Colônias, consideradas como Estados soberanos.
À medida que os revolucionários afirmavam sua força, os franceses se interessaram em garantir sua vitória final, a fim de frustrar as ambições britânicas. Em 1778, delegados franceses se encontraram com representantes do Segundo Congresso Continental e assinaram o Tratado de Amizade e Comércio e o Tratado de Aliança, formalizando a cooperação militar entre eles. Além disso, em 1779, a revolução recebeu o apoio da Espanha. Tanto os franceses quanto os espanhóis se juntaram a uma ampla gama de apoiadores da Revolução Americana, entre os quais mercenários alemães e fornecedores de armas holandeses.
Apesar das tentativas britânicas de negociar, os americanos permaneceram firmes em sua busca pela independência. Enfrentando a desintegração de suas colônias americanas, a Grã-Bretanha deslocou seu foco para as ilhas do Caribe, que estavam sob ataque da França. Os britânicos acreditavam ter apoio suficiente dos Legalistas lá e temiam perder essas colônias extremamente lucrativas de produção de açúcar para os franceses.
Em 1781, tropas revolucionárias conseguiram dominar as tropas britânicas, compostas principalmente por Legalistas americanos, na Batalha de Cowpens. Naquele mesmo ano, uma força franco-americana cercou o general britânico Cornwallis em Yorktown, levando à sua rendição. A Batalha de Yorktown foi essencialmente a última grande conflagração da Guerra da Independência dentro dos Estados Unidos. No entanto, os confrontos continuaram no Caribe, onde a guerra terminaria apenas em 1782, na Batalha de Saintes, vencida pela Grã-Bretanha.
Embora os britânicos tenham perdido o controle sobre os Estados Unidos, eles mantiveram suas posses no Caribe. A nova nação se estendia do rio Mississippi até a Flórida espanhola ao sul e até o Canadá ao norte. Muitos Legalistas e ex-escravos fugiram do território americano, e os britânicos recusaram-se a aceitar a independência.
Os últimos dias da guerra ocorreram em 1783, quando a Grã-Bretanha e os Estados Unidos assinaram o Tratado de Paris, pelo qual os britânicos reconheceram a soberania dos Estados Unidos em troca do reconhecimento americano das dívidas devidas aos comerciantes britânicos. A revolução assegurou a independência, mas a tarefa de construir uma nação unificada estava à frente, marcando o início de um novo capítulo na história americana: a elaboração de uma constituição e os primeiros mandatos presidenciais, de George Washington e John Adams.
Conclusão
A Revolução Americana foi caracterizada por sua escalada gradual de descontentamento para confronto direto. As Treze Colônias tinham uma longa história de autonomia, mas o descontentamento foi desencadeado pelo aperto do controle britânico sobre as liberdades coloniais, manifestando-se através de vários atos e regulamentos. No espaço de alguns anos, essa insatisfação se transformou em confrontos icônicos, como os de Lexington, Concord e York, demonstrando a determinação do povo americano. Em 1783, não só o Tratado de Paris afirmou a independência americana, mas também preparou o terreno para a expansão e o desenvolvimento da nação. A Revolução Americana acabou transformando uma coleção de colônias em uma nação unificada pronta para traçar seu próprio curso na história.
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