Resumo: Diplomacia, de Kissinger — Capítulo 3 — Da universalidade ao equilíbrio

Diplomacia por Henry Kissinger. Detalhe da capa do livro.

Em 1994, Henry Kissinger publicou o livro Diplomacia. Ele foi um acadêmico e diplomata renomado, tendo servido como Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos Estados Unidos. Seu livro oferece um extenso panorama da história das questões internacionais e da arte da diplomacia, com foco particular no século XX e no mundo ocidental. Kissinger, conhecido por seu alinhamento com a escola realista das Relações Internacionais, trata dos conceitos de equilíbrio de poder, razão de Estado e Realpolitik em diferentes épocas.

Sua obra foi amplamente elogiada pelo seu alcance e pelo seu detalhismo. Todavia, ela também enfrentou críticas por seu foco em indivíduos em detrimento de forças estruturais, e por apresentar uma visão reducionista da história. Além disso, alguns críticos também alegaram que o livro se concentra excessivamente no papel individual de Kissinger nos eventos, potencialmente superestimando sua influência sobre eles. De qualquer forma, as ideias do livro merecem ser consideradas.

Este artigo apresenta um resumo das ideias de Kissinger no terceiro capítulo de seu livro, cujo título é “Da universalidade ao equilíbrio: Richelieu, Guilherme d’Orange e Pitt”.

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O sistema europeu de equilíbrio de poder evoluiu no século XVII, marcando o fim da meta medieval de uma ordem mundial universal, que combinava as tradições do Império Romano e da Igreja Católica. Este conceito vislumbrava um único governante para os mundos secular e religioso. O Sacro Império Romano, abrangendo estados feudais na Alemanha e no norte da Itália, tinha potencial para dominar a Europa, mas nunca alcançou controle centralizado devido à inadequação dos transportes e comunicações, e à separação entre a autoridade da igreja e do governo. Ao contrário de outras regiões, as autoridades religiosas ocidentais europeias tinham autonomia, levando a conflitos entre papas e imperadores. Essa tensão facilitou o surgimento do constitucionalismo e da separação dos poderes, fundamentais para a democracia moderna.

Os governantes europeus exploraram a rivalidade entre o papa e o imperador para aumentar sua independência, resultando em uma Europa fragmentada com diversas entidades políticas. Enquanto o Imperador do Sacro Império mantinha uma visão de regra universal, sua autoridade real diminuiu. Estados periféricos como França, Inglaterra e Espanha não reconheciam a autoridade do Império, embora permanecessem parte da Igreja Universal.

A dinastia dos Habsburgos, com sua reivindicação quase permanente à coroa imperial no século XV e sua aquisição da coroa espanhola, mudou a paisagem política. O Imperador Carlos V, no século XVI, quase estabeleceu um império na Europa Central, ameaçando o equilíbrio de poder na Europa. Contudo, a Reforma enfraqueceu o Papado, interrompendo as aspirações hegemônicas do imperador. A imagem do imperador mudou de um agente divino para um mero senhor da guerra aliado a um papa em declínio. A Reforma permitiu que os príncipes desafiassem tanto a autoridade religiosa quanto a imperial, colapsando a ideia de um império unificado.

Os estados europeus emergentes adotaram a raison d’état e os princípios do equilíbrio de poder. Raison d’état justificava as ações do estado pelo interesse nacional, substituindo valores morais universais. O conceito de equilíbrio de poder garantia que a busca do autointeresse por cada estado contribuísse para a estabilidade e o progresso geral. A França, temendo o ressurgimento do Sacro Império Romano, foi pioneira nesta abordagem para evitar ser dominada por ele. O Cardeal Richelieu, Primeiro Ministro da França, explorou as rivalidades induzidas pela Reforma, levando a França a enfraquecer o Império e expandir-se para leste.

Richelieu, um cardeal, priorizou o interesse nacional francês em vez de objetivos religiosos, contrariando as tentativas dos Habsburgos de restabelecer a dominação católica. Apesar de estar cercado por territórios dos Habsburgos, Richelieu se aliou aos príncipes protestantes para frustrar a Contrarreforma e impedir a dominação dos Habsburgos. Suas ações refletiam a nova lógica dos interesses de segurança nacional e da raison d’état.

Os Habsburgos, comprometidos com seus princípios, estavam mal preparados para as mudanças políticas e as táticas de Richelieu. Sua incapacidade de se adaptar às novas realidades estratégicas permitiu que seus adversários, liderados por Richelieu, os superassem. As políticas de Richelieu influenciaram significativamente o desenvolvimento do sistema de Estados modernos e estabeleceram a França como uma potência europeia proeminente, preparando o cenário para um equilíbrio de poder na Europa.

O Imperador Fernando II, um governante devoto, aderiu estritamente às suas convicções religiosas, vendo seu papel como a execução da vontade de Deus. Ele via o conceito de raison d’état como blasfemo e permaneceu inflexível em seus princípios religiosos e morais, recusando-se a se envolver em manobras políticas ou alianças com estados protestantes ou muçulmanos. Os conselheiros de Fernando ecoavam suas crenças, enfatizando a importância da orientação divina sobre a conveniência política. Seu compromisso firme com valores religiosos muitas vezes levou a decisões que priorizavam a fé sobre o benefício político, como sua recusa em conceder concessões a não católicos, mesmo quando tais compromissos poderiam ter beneficiado seu império.

Em contraste, o Cardeal Richelieu da França abordou a governança com uma mentalidade secular, priorizando as necessidades imediatas do estado em vez de considerações religiosas ou morais. Ele famosamente separou suas crenças religiosas pessoais de seus deveres como estadista, acreditando que a sobrevivência do estado dependia de ações pragmáticas e imediatas, em vez de justiça moral. As políticas de Richelieu diferiam radicalmente das de Fernando, especialmente evidente em 1629, durante a Guerra dos Trinta Anos. Enquanto Fernando emitiu o Edito de Restituição, exigindo a devolução de terras da Igreja dos protestantes, Richelieu concedeu liberdade religiosa aos protestantes franceses com a Graça de Alais. Esta tolerância estratégica na política interna permitiu à França evitar a turbulência interna que afligia a Europa Central.

Richelieu explorou o fervor religioso de Fernando em benefício da França, apoiando príncipes alemães protestantes contra o Santo Imperador Romano. Seu papel improvável como um prelado católico subsidiando forças protestantes, incluindo o Rei Gustavo Adolfo da Suécia, marcou uma mudança significativa na política europeia, comparável às mudanças trazidas pela Revolução Francesa. A política externa de Richelieu foi definida pela falta de imperativos morais, concentrando-se exclusivamente nos interesses nacionais da França, mesmo que isso significasse aliar-se a estados protestantes ou ao Império Otomano muçulmano. Seu objetivo era enfraquecer os Habsburgos e impedir qualquer grande potência de ameaçar a França, particularmente ao longo de sua fronteira alemã.

A guerra, prolongada pelas táticas de Richelieu de subsídios, subornos e fomento de insurreições, arrastou-se por trinta anos. A França permaneceu principalmente fora do conflito direto até 1635, quando Richelieu decidiu se juntar aos príncipes protestantes em batalha. Esta decisão foi baseada puramente no crescente poder da França e na oportunidade de fortalecer sua posição contra os Habsburgos.

A abordagem de Richelieu à política, baseada em dinâmicas de poder e interesse nacional, exigia constante ajuste e visão estratégica. Sua crença na calculabilidade das relações de poder estava enraizada no pensamento racionalista de sua época, alinhando-o com figuras como Descartes e Spinoza.

A doutrina de raison d’état de Richelieu enfrentou críticas por seu desapego da lei moral. Críticos, como o acadêmico Jansenius, argumentaram que ela negligenciava deveres religiosos e morais em favor de interesses estatais seculares. Entretanto, as políticas de Richelieu efetivamente priorizaram interesses nacionais sobre valores morais universais. Defensores de Richelieu argumentaram que servir aos interesses da França, como uma potência católica chave, era inerentemente moral e justificava quaisquer meios para proteger o estado.

Daniel de Priezac, um acadêmico próximo a Richelieu, formalizou essa defesa, argumentando que as ações de Richelieu, mesmo que parecessem favorecer a heresia, estavam, em última análise, servindo à Igreja Católica ao fortalecer a França. O argumento de Priezac justificava os métodos de Richelieu como necessários para alcançar um fim justo, encapsulando o princípio de que os fins justificam os meios. Essa lógica ressaltava o legado de Richelieu como um estadista pragmático e racional que alterou fundamentalmente a abordagem à política e às relações internacionais em sua era.

Richelieu também enfrentou críticas pelo seu uso pragmático da religião nos assuntos do estado, muito parecido com as táticas descritas por Maquiavel. Críticos como Mathieu de Morgues o acusaram de manipular a religião para ganho político. Todavia, a abordagem de Richelieu, focando nos interesses do estado em vez de considerações morais ou religiosas, provou ser eficaz. Ele deixou um impacto duradouro na França e na Europa, transformando a França na potência europeia dominante por séculos. A política de Richelieu, baseada no conceito de raison d’état, moldou a diplomacia europeia, enfatizando o poder e os direitos dos estados sobre valores morais universais. Esta mudança influenciou significativamente o curso da história europeia, incluindo o atraso da unificação alemã e a formação de interesses nacionais.

A influência de Richelieu estendeu-se além da França. Suas ações impediram uma Europa Central unificada, atrasando assim a unificação alemã e contribuindo para o foco interno da Alemanha e a falta de uma cultura política nacional. Esta fragmentação levou a Alemanha a se tornar um campo de batalha para guerras europeias e a perder oportunidades iniciais de colonização ultramarina. Quando a Alemanha finalmente se unificou, faltava experiência na gestão de interesses nacionais, contribuindo para grandes tragédias no século XX.

A doutrina de raison d’état, embora eficaz, levantou questões sobre seus limites e o potencial para a superextensão. A política de Richelieu carecia de restrições inerentes, levando a desafios na definição da satisfação do estado e da extensão necessária das guerras por segurança. Esta abordagem contrastou com o idealismo wilsoniano, que corre o risco de negligenciar os interesses do estado. A estratégia de Richelieu levou a França a uma posição poderosa, mas também preparou o cenário para seu excesso sob Luís XIV, que alarmou a Europa e enfrentou resistência de uma coalizão de estados.

O equilíbrio de poder emergiu como um resultado incidental dos esforços para conter a dominação da França. Este sistema, baseado em alianças e dinâmicas de poder em constante mudança, inicialmente não era um objetivo consciente da política internacional. Filósofos do Iluminismo, como Voltaire e Montesquieu, viam esse equilíbrio como um resultado harmonioso de interesses concorrentes, mas a realidade era mais complexa e conflituosa.

Na Europa Central, o vácuo de poder criado pela Guerra dos Trinta Anos convidou a invasões territoriais. Os poderes relativos dos estados europeus estavam em constante fluxo, complicando o equilíbrio de poder. Frederico, o Grande da Prússia, exemplificou a abordagem desta era às relações internacionais, tratando-a como um jogo estratégico sem restrições morais, concentrando-se apenas no poder e na oportunidade.

O equilíbrio de poder foi mantido por meio de coalizões formadas em resposta às ameaças de dominação, particularmente da França. A Inglaterra desempenhou um papel crucial neste sistema, participando ativamente para manter o equilíbrio e evitar o surgimento de um único poder dominante europeu. Esta política teve origem com o Rei Guilherme III da Inglaterra, que reconheceu a ameaça representada pela França de Luís XIV e forjou alianças para contrariá-la.

A abordagem de Guilherme foi pragmática, focando em manter um equilíbrio entre as grandes potências como os Habsburgos e os Bourbons. Esta estratégia foi inicialmente impopular na Grã-Bretanha, assim como os sentimentos isolacionistas na América posterior. No entanto, a opinião pública britânica eventualmente reconheceu a necessidade de participar da dinâmica de poder europeia para garantir a segurança nacional. Este entendimento do equilíbrio de poder como um princípio fundamental da política britânica marcou uma mudança significativa nas relações internacionais, enfatizando a importância do engajamento ativo para manter a estabilidade e evitar a dominação por qualquer estado único.

A estratégia britânica de manter o equilíbrio de poder na Europa levou a opiniões divergentes sobre sua execução, espelhando um debate semelhante nos Estados Unidos após as duas guerras mundiais. Os Whigs favoreciam uma abordagem reativa, sugerindo intervenção apenas quando o equilíbrio fosse diretamente ameaçado e desengajando uma vez neutralizada a ameaça. Por outro lado, os Tories defendiam um papel proativo, moldando e mantendo o equilíbrio de poder por meio de engajamento contínuo e alianças. Esta diferença na estratégia refletia a percepção de cada partido sobre a vulnerabilidade da Grã-Bretanha e a extensão de suas responsabilidades internacionais.

Líderes Tory como Lord Carteret argumentavam por uma presença britânica permanente nos assuntos europeus, enfatizando a necessidade de apoiar os Habsburgos contra a influência francesa. Esta abordagem baseava-se na crença de que uma Europa Central forte e unificada era essencial para contrabalançar a dominação francesa. Os Tories viam as alianças não apenas como medidas temporárias, mas como ferramentas para moldar uma paz e estabilidade de longo prazo. Isso contrastava com a perspectiva Whig, que via as alianças como soluções de curto prazo.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, tanto a Grã-Bretanha quanto a América lutaram com a ideia de um papel internacional permanente versus uma postura mais isolacionista. Líderes influentes em ambos os países periodicamente defendiam um envolvimento sustentado nos assuntos globais, mas seus esforços muitas vezes falhavam devido à relutância do público em se comprometer com responsabilidades internacionais contínuas.

O papel da Grã-Bretanha como equilibradora na política europeia evoluiu de uma resposta pragmática às ameaças contra o equilíbrio de poder, principalmente impostas pela França, para uma estratégia mais deliberada. Esta abordagem impediu a França, e mais tarde a Alemanha, de alcançar a hegemonia europeia. No início do século XIX, a Grã-Bretanha começou a formalizar seu papel na manutenção do equilíbrio de poder, o que envolvia resistir a qualquer poder que ameaçasse o equilíbrio europeu.

As Guerras Napoleônicas trouxeram uma nova dimensão ao equilíbrio de poder. A França, sob Napoleão, buscou dominar a Europa não apenas por ganhos territoriais, mas para espalhar ideais revolucionários. O quase sucesso de Napoleão em estabelecer uma comunidade europeia liderada pela França reuniu a Grã-Bretanha e outras potências para combater essa ameaça.

A Rússia, emergindo como uma potência significativa, apresentou um desafio complexo. A expansão russa e a natureza autocrática de seu regime causaram tanto esperança quanto medo entre as outras potências europeias. O Czar Alexandre I, apesar de suas inclinações liberais temporárias, permaneceu um ator imprevisível na política europeia.

O Primeiro-Ministro britânico William Pitt, o Jovem, e o Czar Alexandre I discutiram um acordo europeu para garantir a paz após as Guerras Napoleônicas. A resposta de Pitt à proposta de Alexandre focou em estabelecer um equilíbrio de poder, sem se comprometer com reformas políticas ou sociais amplas em toda a Europa. Esta abordagem lançou as bases para um acordo territorial que fortaleceria a Europa Central, particularmente contra a agressão francesa, e propôs a criação de estados alemães maiores para prevenir futuras intervenções francesas.

A era pós-napoleônica viu a Europa tentar projetar uma ordem internacional baseada no equilíbrio de poder, reconhecendo que esse equilíbrio não podia ser deixado ao acaso. O Congresso de Viena visou combinar o equilíbrio de poder com valores compartilhados, estabelecendo um século de paz sem grandes guerras. Essa reunião histórica ressaltou a importância de combinar poder com legitimidade para criar uma ordem internacional estável e duradoura.


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