O Concerto Europeu foi o sistema internacional que surgiu na Europa após 1815, quando a Era Napoleônica terminou. Começou no Congresso de Viena (1814-1815), que restaurou monarquias absolutistas em todo o continente e reforçou o papel da Áustria, Prússia, Rússia, Reino Unido e França. Essas cinco grandes potências começaram a negociar questões internacionais, tentando manter os desacordos entre elas sob controle e manter um equilíbrio de poder na Europa. Pretendiam impedir que qualquer potência impusesse hegemonia sobre as outras, embora cada uma possuísse capacidades distintas de poder duro.
Como argumentado por Anthony Best, isso não foi um arranjo justo, pois era baseado apenas na política das grandes potências — ou seja, os interesses das grandes potências eram levados em conta, enquanto os dos países menores eram frequentemente ignorados.
Geralmente, os cinco líderes da Europa eram contra revoluções — afinal, muitos deles foram afetados negativamente pela Revolução Francesa. Assim, eles frequentemente estavam em desacordo com os movimentos liberais da época. Contudo, não eram necessariamente contrarrevolucionários. Em alguns casos, não se opuseram (ou até apoiaram) movimentos de independência, tanto na Europa quanto no exterior. No entanto, sua tolerância muitas vezes vinha de interesses políticos ou comerciais, como enfraquecer rivais e ganhar uma posição em novos mercados. Por isso, por exemplo, a Grã-Bretanha reconheceu a descolonização da América Latina e da Grécia.
Segundo Eric Hobsbawm, fora das fronteiras da Europa, não havia pretensão de equilíbrio e consenso. À medida que os europeus garantiam colônias na América Latina, África e Ásia, “nada impediu a expansão e a belicosidade”.
Tanto Henry Kissinger quanto Eric Hobsbawm, entre outros autores, enfatizam que o Concerto Europeu foi amplamente bem-sucedido no que propôs: após 1815, o continente experimentaria o mais longo período de paz que já teve. Embora houvesse guerras, elas eram limitadas em escopo e objetivos. Muito disso pode ser explicado pela fé nas alianças militares como um meio de dissuadir confrontos e pela tradição de realizar conferências diplomáticas para resolver questões espinhosas.
As Alianças Europeias
Durante as Guerras Napoleônicas, potências reacionárias formaram uma coalizão após a outra, na tentativa de impedir o expansionismo francês. Quando Napoleão finalmente foi derrotado, duas grandes alianças definiram a Europa pós-guerra:
- Santa Aliança (Áustria, Prússia e Rússia): A pedido do Tzar russo Alexandre I, essa aliança propôs defender os princípios do catolicismo e conter os movimentos liberais e seculares. Seus membros acreditavam ter o direito de intervir em outros países, caso movimentos revolucionários ganhassem força e ameaçassem a estabilidade europeia. A Áustria, em particular, era grata por este grupo, pois conseguiu convencer seus dois principais rivais, os prussianos e os russos, a se unirem contra as ameaças revolucionárias. Entretanto, certos autores, como Edward Burns, afirmam que a aliança nunca correspondeu às expectativas, mesmo que tenha se engajado em algumas intervenções. O Reino Unido, por exemplo, rejeitou a Santa Aliança porque sua política interna era mais liberal e porque rejeitava o intervencionismo.
- Aliança Quádrupla e Aliança Quíntupla (Áustria, Prússia, Rússia e o Reino Unido — França mais tarde): A Aliança Quádrupla já existia bem antes da queda da França Napoleônica. Em 1815, no Congresso de Viena, foi formalizada com a assinatura do Tratado de Paris, com o objetivo de prevenir a agressão francesa e impor o acordo de paz. Em 1818, no Congresso de Aix-la-Chapelle, a França foi convidada a se juntar ao grupo, transformando-o efetivamente na Aliança Quíntupla. Embora a coalizão original de quatro países tenha secretamente renovado seus compromissos anti-franceses no mesmo ano, a antiga aliança se tornaria irrelevante.
O Sistema de Congressos
Após o Congresso de Viena, as potências europeias inauguraram a prática de realizar reuniões continentais sempre que houvesse uma crise a ser discutida. Esses congressos periódicos ocorriam em várias cidades europeias e eram mecanismos importantes para a cooperação entre as potências. Todavia, muitas vezes, as reuniões assumiam um tom antiliberal, pois endossavam intervenções estrangeiras contra as revoluções liberais que abalavam a Europa durante as décadas de 1820, 1830 e 1840. Estes foram os principais congressos durante esse período:
- Congresso de Aix-la-Chapelle (1818): Neste encontro, os países europeus discutiram as reparações de guerra que os franceses deviam aos vencedores das Guerras Napoleônicas. Eles concordaram em renunciar a grande parte da dívida, encerrar a ocupação do território francês e admitir o país na Aliança Quádrupla. A partir de então, a França passaria a ser considerada um membro igualitário do Concerto Europeu. Além disso, os delegados rejeitaram a proposta russa de enviar tropas contra movimentos revolucionários no continente e bloquearam uma proposta britânica para permitir a busca de navios suspeitos de tráfico de escravos em alto-mar.
- Congresso de Troppau (1820): Esta reunião foi convocada pelo Tzar Alexandre I, mas ocorreu na Silésia austríaca. As cinco potências realizaram discussões sobre uma revolução que ocorria em Nápoles. A Carbonária, uma sociedade secreta italiana, esperava impor um governo constitucional na região, mas não levou em conta o descontentamento estrangeiro. No congresso, a Santa Aliança redigiu o Protocolo de Troppau, que prescrevia que Estados revolucionários seriam excluídos da ordem europeia e que, se ameaçassem outros países, uma intervenção ocorreria. Tanto o Reino Unido quanto a França viam este documento com desagrado, e nenhum acordo foi alcançado sobre a situação em Nápoles.
- Congresso de Laibach (1821): Nesta reunião, as discussões sobre a Península Itálica continuaram, e uma clara divisão foi evidenciada entre as potências. De um lado, estavam Áustria, Prússia e Rússia, que firmemente defendiam o princípio de intervir em outros países para suprimir movimentos liberais. Do outro lado, Grã-Bretanha e França acreditavam que certas intervenções eram justificadas, mas que deveriam ser definidas caso a caso. Os austríacos, liderados por Metternich, queriam enviar tropas para Nápoles, enquanto o representante britânico era veementemente contrário a isso. No final, a Santa Aliança aprovou a intervenção austríaca e os italianos foram derrotados.
- Congresso de Verona (1822): Esta reunião lidou principalmente com o Trienio Liberal (Três Anos Liberais), um movimento constitucional na Espanha que minou o governo do rei absolutista Fernando VII. Enquanto a França desejava lançar uma intervenção contrarrevolucionária, o representante britânico foi instruído a rejeitar qualquer intervenção. Por isso, a Santa Aliança e a França proclamaram que o Reino Unido estava em violação de suas obrigações na Aliança Quíntupla, e a operação francesa foi autorizada. Além disso, durante encontros preliminares, os delegados de Verona discutiram o domínio austríaco contínuo sobre a Itália e o início da revolta grega exigindo independência do Império Otomano.
Os Desafios ao Concerto e a Guerra da Crimeia
De acordo com Eric Hobsbawm, o Concerto Europeu foi mais eficaz imediatamente após o Congresso de Viena (1815). Naquela época, a prevalência de fome, pobreza, crise econômica generalizada e medo de revoltas liberais subsequentes facilitaram o entendimento entre as potências. Com o tempo, no entanto, essas questões perderam importância e os interesses das potências divergiram.
Por causa da Revolução Industrial, o Reino Unido se tornou uma potência econômica e começou a afirmar sua dominação no exterior. Enquanto os britânicos se concentravam na expansão colonial, eles tinham pouca paciência para se envolver em assuntos europeus. Em sua visão, não havia necessidade de alianças permanentes com as potências continentais, pois tais questões poderiam ser tratadas caso a caso. Essa visão de mundo, combinada com o descontentamento britânico com as sucessivas intervenções lançadas por seus vizinhos, motivou a ascensão do “isolamento esplêndido”.
Enquanto o Reino Unido se afastava do continente, os interesses das cinco potências começaram a divergir consideravelmente. Isso ficou claro no período de 1853 a 1856, quando as disputas sobre a Crimeia tomaram um rumo ruim. O Tzar russo Nicolau I desejava exercer mais influência na Igreja Ortodoxa e conquistar tanto Constantinopla quanto os estreitos de Bósforo e Dardanelos — que conectam o Mediterrâneo ao Mar Negro. Enquanto isso, os britânicos não queriam perder seus privilégios comerciais sobre os otomanos, que controlavam Constantinopla, e os franceses se esforçavam para controlar os cristãos otomanos. Ambos esperavam conter as ambições russas e garantir a liberdade de navegação pelos estreitos. Em 1853, as tensões levaram a uma guerra.
A causa imediata da Guerra da Crimeia foi a rivalidade religiosa entre a Rússia Ortodoxa e a França Católica. Nicolau I emitiu um ultimato, solicitando que os súditos ortodoxos do Império Otomano fossem colocados sob sua proteção. Os britânicos apresentaram uma solução de compromisso, mas, quando esta foi rejeitada pelos otomanos, a Rússia mobilizou suas tropas. Logo, o Império Otomano, ao lado da Grã-Bretanha, França e Piemonte-Sardenha, declarou guerra contra os russos.
Inicialmente, a Áustria proclamou sua neutralidade, mas recuou após enorme pressão dos países aliados. Eles conseguiram derrotar a Rússia e ditar os termos do Tratado de Paris (1856): um compromisso com a sobrevivência do Império Otomano, a neutralização do Mar Negro e a liberdade de navegação pelos estreitos. Contudo, como argumentou Henry Kissinger, a Áustria fez a escolha errada ao abandonar sua neutralidade. Os austríacos negligenciaram sua aliança com Prússia e Rússia enquanto escolhiam a Grã-Bretanha, que não estava disposta a defendê-los, e a França, que estava ansiosa para minar seus interesses na Península Itálica.
À medida que a Grã-Bretanha se afastava do continente e a Áustria se tornava inimiga da Prússia e da Rússia, uma nova geração de líderes estava surgindo no poder na Europa. Autoridades poderosas como Napoleão III na França, Bismarck na Prússia e Cavour em Piemonte-Sardenha não tinham interesse em defender o acordo de Viena e buscavam avançar seus respectivos interesses nacionais. Ao mesmo tempo, as revoluções liberais que eclodiram nas décadas de 1820, 1830 e em 1848 também desafiaram o Concerto Europeu. Poucas décadas após o fim da Guerra da Crimeia, esse arranjo chegaria ao fim com a unificação da Itália, a queda de Napoleão III e a unificação da Alemanha, em 1871.
Conclusão
De 1815 a 1871, o Concerto Europeu operou como um sistema de política das grandes potências no qual Áustria, Prússia, Rússia, Grã-Bretanha e França compartilharam poder e negociaram soluções para seus desacordos. Esse arranjo proporcionou períodos significativos de paz no continente, mas foi constantemente desafiado por movimentos liberais inspirados na Revolução Francesa. Com o tempo, os interesses de cada uma das cinco potências divergiram consideravelmente, culminando na Guerra da Crimeia e na unificação tanto da Itália quanto da Alemanha. Até 1871, a fórmula original do Concerto Europeu deixou de funcionar. Alguns historiadores acreditam que o Concerto iniciou uma nova era, que durou até o início da Primeira Guerra Mundial, enquanto outros afirmam que ele chegou ao fim completamente. De qualquer forma, por mais de cinco décadas, funcionou bem o suficiente para prevenir guerras totais como as Guerras Napoleônicas.
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