Revoluções de 1848: A Primavera dos Povos

"O Povo no Tuileries", uma litografia de Victor Adam mostrando a sala do trono do Palácio Tuileries sendo tomada por uma multidão em 1848.
“O Povo no Tuileries”, uma litografia de Victor Adam mostrando a sala do trono do Palácio Tuileries sendo tomada por uma multidão em 1848. Imagem de domínio público.

O século XIX na Europa foi uma era de transformação significativa, marcada por uma série de revoluções que remodelaram a paisagem política e social do continente. Embora a Revolução Francesa e a Era Napoleônica tivessem sido finalmente derrotadas, o liberalismo por elas defendido persistiu e representou um desafio formidável à ordem autocrática do Concerto Europeu.

Nas décadas de 1820 e 1830, vários países já haviam vivenciado revoluções. Em 1848, populações europeias se levantaram em revolta simultaneamente, em vários lugares, de maneira descentralizada. Por isso, as rebeliões que ocorreram naquele ano ficaram conhecidas como a Primavera dos Povos.

Embora os levantes tivessem diferenças sociais, nacionais e de classe, eles compartilharam algumas características:

  • Eram liderados pela classe média e intelectuais, e as massas só participavam deles em estágios posteriores.
  • Lutavam contra um inimigo comum: o absolutismo. Os revolucionários se dividiriam apenas em fases posteriores das revoluções.
  • Seguiam a mesma tradição internacionalista e tinham os mesmos objetivos: a promulgação de uma constituição sob um novo governo.
  • Eram concebidos no exílio, onde os revolucionários podiam escapar da repressão política de seus respectivos governos nacionais.

Estas foram as principais revoluções no contexto da Primavera dos Povos:

Revolução de Fevereiro na França

Nos anos que antecederam 1848, o descontentamento com o governo do Rei Luís Filipe motivou reuniões políticas privadas conhecidas como “campanha dos banquetes”. A oposição de esquerda moderada organizava esses encontros, onde o povo criticava a crise econômica do país e propunha uma reforma da lei eleitoral, a fim de aumentar o sufrágio. No entanto, o rei e o governo eram veementemente contra esses encontros, então o gabinete francês começou a proibi-los — assim como já proibia reuniões públicas.

Em fevereiro de 1848, como resultado dessas proibições, a população de Paris se rebelou e rapidamente depôs Luís Filipe, substituindo-o por um governo republicano — a Segunda República Francesa. Os novos líderes do país implementaram uma constituição contendo uma série de reformas de esquerda, incluindo sufrágio universal direto e separação de poderes. Contudo, logo ocorreu uma reação conservadora, essencialmente anulando as tendências progressistas do regime, como a desqualificação de trabalhadores de fábricas. Devido à divisão dos franceses em facções opostas, turbulências políticas se seguiram e o exército teve que recorrer à violência para estabilizar o país.

Em outubro, Louis-Eugène Cavaignac, um dos generais franceses encarregados da repressão política, candidatou-se à presidência contra Louis-Napoleon Bonaparte, sobrinho do falecido Napoleão Bonaparte. A facção bonapartista venceu com quase 75% dos votos, e Louis-Napoleon logo se encontrou em desacordo com o establishment político francês. Ele aspirava restaurar o sufrágio universal masculino e abolir a proibição de reeleições presidenciais pela constituição. Incapaz de fazê-lo democraticamente, em 1851, ele realizou um autogolpe, posteriormente aprovado por referendo, e permaneceu no poder. No ano seguinte, proclamou-se Napoleão III e substituiu a República pelo Segundo Império Francês.

Parlamento de Frankfurt na Confederação Germânica

Em todo o território da Confederação Germânica, ocorreram uma série de protestos e rebeliões vagamente coordenados. Baseavam-se no pangermanismo, a noção de que a Confederação deveria ser transformada em um único país, em vez de continuar sendo uma multiplicidade de pequenos Estados liderados pela Áustria e Prússia. Na maioria dos casos, esses levantes tiveram pouco impacto, pois os governos rapidamente os derrotaram. Entretanto, uma exceção foi o chamado Parlamento de Frankfurt.

Em 1848, liberais de várias partes da Alemanha convocaram eleições livres para um parlamento nacional — o primeiro do tipo na história da região. Cada membro da Confederação realizou seus próprios procedimentos de votação, e a Assembleia Nacional de Frankfurt se reuniu em maio. Embora todas as tendências políticas tivessem assento lá, a maioria dos delegados eram liberais moderados — professores, professores universitários ou estudantes universitários, motivando o apelido de “parlamento dos professores”.

Os parlamentares nomearam um Regente da Alemanha e engajaram-se em discussões sobre a extensão territorial e estruturas políticas do país após a unificação.

A questão anterior dizia respeito à inclusão das regiões de língua alemã da Áustria, mas os austríacos adotaram uma nova constituição que exigia que todo o país fosse incluído numa futura Alemanha, ou nenhum deles.

A última questão tratava das propostas para a Alemanha tornar-se uma monarquia hereditária, ter um monarca eleito ou tornar-se uma república. O parlamento decidiu oferecer a coroa alemã, incluindo todos os Estados da Confederação exceto a Áustria, ao rei da Prússia, Frederico Guilherme IV. Todavia, ele recusou esse empreendimento porque conflitava com suas visões conservadoras.

Sem o apoio da Áustria ou da Prússia, o Parlamento de Frankfurt jamais conseguiria unificar a Alemanha, então os membros da Confederação Alemã o desmantelaram.

Os levantes no Império Austro-Húngaro

Nos anos que antecederam 1848, a monarquia dos Habsburgo teve que lidar com vários problemas: uma crescente crise econômica, tensões relacionadas à propriedade de terras e a propagação de ideologias liberais, nacionalistas e de esquerda. Por exemplo, um fungo causador de praga na batata chegou à Áustria e contribuiu para a fome generalizada, pois as batatas eram um alimento básico dos segmentos pobres da sociedade.

No contexto da Primavera dos Povos, os austríacos receberam notícias da Revolução de Fevereiro na França e se levantaram em revolta também. Eles conseguiram mandar o influente estadista conservador Metternich para o exílio, mas o caráter multinacional do Império Austro-Húngaro dificultou as coisas para os revolucionários. Os vários grupos nacionais que lá viviam não concordavam entre si, e os conservadores aproveitaram esse fato para retomar o poder. Ao longo dos meses de 1848, liberais e conservadores se sucederam no governo e, por um breve período, até mesmo os reais Habsburgos fugiram do país.

Até o final de 1848, as forças contrarrevolucionárias prevaleceram, tendo executado os líderes dos radicais e rejeitado uma proposta de constituição em termos liberais. O Rei Fernando I recuperou plenos poderes, mas foi convencido a abdicar em favor de seu sobrinho, Francisco José I. Embora o novo monarca rejeitasse a monarquia constitucional que havia sido estabelecida e tentasse restaurar o absolutismo na Áustria, ele manteve algumas conquistas do governo revolucionário — notavelmente, a abolição da servidão e o fim da censura.

Enquanto isso, na parte húngara do Império, a população se levantou contra a regra autoritária dos austríacos. Sob a liderança de Lajos Kossuth, os rebeldes instituíram as Leis de Março (ou Leis de Abril): uma coleção de doze medidas que pretendiam inaugurar uma democracia parlamentar, prescrevendo muitos direitos civis. Por exemplo, o documento apoiava a abolição da servidão, o princípio da igualdade perante a lei e a liberdade de imprensa. No entanto, Francisco José I revogou arbitrariamente as leis, o que foi o catalisador para uma revolução.

A cavalaria húngara perseguindo contrarrevolucionários na batalha de Nagysaló, 19 de abril de 1849. Pintura a óleo de Than Mór.
A cavalaria húngara perseguindo contrarrevolucionários na batalha de Nagysaló, 19 de abril de 1849. Pintura a óleo de Than Mór. Imagem de domínio público.

Enquanto os seguidores de Lajos Kossuth defendiam a independência da Hungria, o governo local de Lajos Batthyány propôs uma reconciliação com a dinastia Habsburgo. Batthyány acabou deposto e os húngaros quase conseguiram sua independência, mas a Áustria conseguiu esmagar a revolução e impor uma ditadura militar na Hungria com a assistência da Rússia.

Guerra do Sonderbund na Suíça

Na época, a Suíça era uma confederação dividida em cantões (estados) que eram majoritariamente católicos ou protestantes. No início da década de 1840, os protestantes alcançaram a maioria no parlamento suíço (a Dieta Federal), e aproveitaram isso para propor uma nova constituição para o país. Seu objetivo era centralizar o poder, mas os católicos se opuseram a isso porque acreditavam que iria contrariar seus interesses. De fato, isso aconteceu logo depois, quando a Dieta Federal adotou medidas contra a Igreja Católica, como o fechamento de mosteiros.

Em 1843, numa tentativa de preservar sua autonomia, os cantões católicos formaram o Sonderbund — uma “aliança separada”. Contudo, o Tratado Federal de 1815 proibia expressamente tais alianças, e os cantões protestantes fizeram valer essa regra ao se engajar em ações militares contra seus homólogos católicos.

Em 1847, uma guerra civil irrompeu: a Guerra do Sonderbund. Embora tanto a Áustria quanto a França quisessem intervir em apoio aos católicos, a Grã-Bretanha vetou suas intenções e nenhuma intervenção estrangeira ocorreu. Após algumas semanas, os cantões protestantes derrotaram os secessionistas e impuseram a Constituição Suíça de 1848. Este documento estabeleceu que o país se tornaria um Estado federativo, com menos autonomia para os cantões, e que os jesuítas seriam expulsos de seu território.

Reforma Constitucional nos Países Baixos

Em 1848, notícias de revoluções em vários países europeus chegaram aos Países Baixos, onde provocaram o Rei Guilherme II a aceder às demandas da oposição parlamentar liberal. Ele estabeleceu uma comissão para elaborar uma reforma constitucional em termos liberais. Depois, negociou com a maioria dos políticos conservadores para garantir apoio à proposta. No mesmo ano, a reforma entrou em vigor com os seguintes destaques:

  • A responsabilidade pelo governo passou do rei para os ministros.
  • O povo comum votaria nas eleições provinciais, e os corpos provinciais escolheriam os membros do Senado.
  • Os poderes do parlamento aumentaram substancialmente.
  • Vários direitos civis foram adotados: liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de educação (os pais poderiam educar seus filhos como quisessem), liberdade religiosa e o direito à privacidade da correspondência.

A principal característica da reforma de 1848 nos Países Baixos é que, ao contrário de outros países europeus, as mudanças foram realizadas pacificamente.

Conclusão

As Revoluções de 1848 foram a última onda de sentimento revolucionário na Europa antes da unificação da Itália e da unificação da Alemanha. Elas continuaram a tendência das décadas de 1820 e 1830, ajudando a depor regimes monárquicos, introduzir direitos civis e garantir a independência de vários países. Por isso, essas revoluções devem ser consideradas um passo importante no envio do absolutismo europeu para o esquecimento da história.

Confira um resumo das revoluções das décadas de 1820, 1830 e 1848 no nosso artigo dedicado a isso.


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